Algoritmos, uma possível nova eugenia

Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla

No mundo do saber precisa-se de muito empenho, acuidade mental, discernimento para distinguir o útil, o que nos interessa, aquilo que é essencial principalmente numa era em que temos a impressão dramática de que quanto menos esforço fizermos para saber alguma coisa mais ou menos, mais saberemos que no fundo não conhecemos absolutamente nada de valioso, a não ser a nossa perpétua ignorância. Na era do vazio de convicções, saber nunca foi tão fácil, mas ao mesmo tempo nunca tão difícil compreender alguma coisa; na era extremada por tantas facilidades temos cada vez mais dificuldades para alinhar o ser numa perspectiva que possa olhar para o seu passado com vistas ao presente e ainda mais para o futuro; na obra criada o que poderá vir a ser pode talvez não ser aquilo que se imagina hoje, pois no mundo nada dura para sempre como nós pensamos.

Na sequência da história, não tem sido poucos os fatos que nos causam estranheza, temor em relação ao futuro, pois a imprevisibilidade é tanta, que as novidades já não nos chocam tanto, pois elas bem ou mal já dão ares de conhecer em profundidade tanto a essência como a alma das pessoas; a nova religião do século XXI, sem altar, sem liturgia, santos, padres ou mesmo pastores, ela ao mesmo tempo está em toda parte e ao mesmo tempo em lugar nenhum. O mundo ativo maquínico é incansável em sua busca sempre incontrolada por novas situações para poder controlar tudo nos mínimos detalhes, tais máquinas vêm por todos os ângulos tentando uma reformulação profunda das estruturas da natureza, eficiência, velocidade, somas, multiplicações, absolutamente tudo elevado à milésima potência; é a redefinição total da vida, um expansionismo aparentemente sem fim.

Uma dessas novidades em nosso meio chama-se “algoritmos”, palavra tão usada nos últimos tempos, mas de definição duvidosa, incerta ou ainda carente de melhores formulações, em pouquíssimas e compreensíveis palavras, o algoritmo é ““um conjunto de regras e operações bem definidas e ordenadas, destinadas à solução de um problema”, em outras palavras, é mais uma daquelas ferramentas à disposição da inteligência artificial, à razão instrumental. Com a ascensão vertiginosa da internet, ficou “fácil” realizar tarefas que antes precisavam do contato humano para serem feitas, mas o preço que isso tem custado veio a cavalo, aos montes, ou seja, o mundo algorítmico produz toda uma onda de situações onde o ser acaba não tendo tempo para ele mesmo, dito de outro modo, a máquina cria então para seus sujeitos todos aqueles condicionamentos necessários para tê-lo nas mãos.

O algoritmo não faz barulho, não gosta de badalação, prefere a sombra, ele é muito bem elaborado no mundo subterrâneo da mente de alguns privilegiados que costumam ver o mundo apenas a partir do seu ponto de vista, esquecendo todo o resto, acham-se acima do bem e do mal, imaginam-se aqueles que tem a melhor resposta para tudo. Os pobres mortais, meros consumidores e sempre ávidos por mais e mais novidades deixam-se injetar pela vacina “do tudo bem, é assim mesmo, não tem como fugir a isso, se eu não faço outros farão”; justamente nessa inocência avassaladora o algoritmo mostra suas garras, pois de tanto acessarmos as “redes sociais” e nelas colocarmos nossas melhores informações, nossos gostos e preferências, lugares visitados, a indústria do algoritmo nos cerca de tal maneira que hoje não são poucos os que sentem-se prisioneiros numa aparente liberdade.

Os algoritmos dão o que pensar, nunca eles são neutros, ou seja, foram criados para desempenharem funções de comando, controle, subserviência, dominação do ser humano, os algoritmos para muitos são uma arma potencial para uma vigilância cada vez mais cerrada dos cidadãos e também uma ferramenta que se acha no direito de dizer o que fazer, como fazer, quando fazer, assim como determinará as nossas escolhas, ditar moda, se isto ou aquilo é bom ou ruim; enfim as aplicações algorítmicas dão a impressão de não terem fim, tamanho tem sido a sua desenvoltura nas últimas décadas. O tempo encantador no qual vivemos hoje está aberto para muitas possibilidades, sejam elas boas ou más, as promessas que nos são enviadas a todo momento são no sentido de que tudo será melhor; mas como muito bem sabemos de promessas e boas intenções o inferno está cheio disso.

Bioeticamente, a questão dos algoritmos merece uma atenção elevada da nossa parte, pois no jogo incessante das transformações eles nos fazem parecer meras crianças sempre ávidas por novos presentes, em outras palavras, somos meros amadores em suas mãos; as ondas produzidas pelos algoritmos atravessam de ponta a ponta todo os oceanos, provocando não poucos tsunamis. Os algoritmos passam a ideia de que o prazer que eles prometem será eterno, de que o futuro poderá ser como eles de fato desejam; uma novidade que não é mais nenhum segredo. O senso crítico em tempos de surpresas infindáveis não pode arrefecer, pois todas as áreas da vida vêm sendo afetadas, ora mais ora menos pelos algoritmos; muitos dizem que eles poderão ser a nova e duradoura ditadura do ser, isto é, eles definirão quem terá voz e vez, quem poderá ou não trabalhar em determinada área, o que você poderá ou não comprar, seria uma espécie de eugenia baseada unicamente nos inúmeros rastros que os humanos acabam deixando nas redes.

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, é Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR

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