As novas vulnerabilidades humanas

Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla

No calor do momento presente não podemos fechar os olhos para o que acontece ao nosso redor, somos carne e osso, somos um emaranhado na história que a todo instante se transforma, tudo nos impacta de uma maneira ou de outra, apesar de estarmos imersos na cultura digital de um modo quase aterrador, quando nos damos conta de quem somos eis que vem à lembrança de que apenas somos seres humanos, nem mais nem menos, nos assustamos, nos damos conta que uma simples picada de algum inseto pode nos levar à morte num piscar de olhos. Seres humanos, nada mais do que isso, aparentam força, mas diante do perigo mostram-se absurdamente frágeis, aquilo que poderia nos trazer tranquilidade acaba se transformando num monstro de dimensões colossais, em qualquer idade, em qualquer terreno, somos tudo e nada, glória e desgraça, em tudo os paradoxos.

Desde o início da famigerada guerra na Ucrânia vemos as crianças enfrentando esse terrível pesadelo, justamente elas que não fizeram absolutamente nada para que eclodisse esse conflito insano, ninguém sabe ao certo quantas já morreram por causa da estupidez dos adultos, o certo é que milhões delas foram e estão sendo obrigadas a saírem de suas casas, umas apenas com sua mãe e a roupa do corpo e outras tantas nem isso conseguem levar. Os riscos para essas crianças são incalculáveis, a curto, médio e longo prazo, sem casa, sem rumo, uma parcela considerável talvez nunca mais volte a se encontrar com seus pais ou parentes próximos; aqui falamos apenas daquelas crianças que conseguem se locomover e quantas delas com algum problema de saúde ou deficiência ficarão para trás; esse é o mundo atual globalizando todas as desgraças, aumentando a insegurança e medo.

Outro grupo vulnerável é o das mulheres, o terror para elas tem adquirido muitas formas e intensidade a cada dia que passa, seja lá na Ucrânia ou aqui mesmo no Brasil, bem diante dos nossos olhos, assassinatos, espancamentos, muitas condenadas a viverem o resto de suas vidas numa cadeira de rodas ou numa cama, isso sem contar aquelas que são vítimas constante da prostituição multifacetada. Um rápido olhar sobre a situação das mulheres de um modo geral, ficamos convencidos de que há um enorme abismo a ser vencido por elas a todo momento. Novamente nota-se que o discurso está muito longe da realidade delas, isto é, a responsabilidade particular e coletiva é abandonada, a fuga dos papéis é uma constante nesse mundo enlouquecido e pouco apto para solucionar as suas mazelas; apesar de tudo nesse emaranhado, as mulheres devem buscar seu protagonismo.

A guerra na Ucrânia mostra também mais outro lado perverso, por outras palavras, os homens de ambos os lados lutando entre si, muitos nem sabendo por qual causa estão brigando, enquanto os seus líderes estão confortavelmente instalados em amplas salas, com ar condicionado, tudo do bom e do melhor apenas assistindo os seus subordinados morrerem como meras moscas. De um lado um exército com uma força descomunal, de outro o pequeno Davi lutando com aquilo que tem nas mãos, homens treinados na arte de matar e homens pais de família, trabalhadores, pessoas do cotidiano; os homens que estão travando essa carnificina nunca mais serão os mesmos, nunca mais terão paz, ganhem ou percam, a carga de sofrimento em ambos os lados jamais teremos condições de avaliar, aos senhores da guerra isso pouco importa, não estão passando fome, nem sede, nem frio.

A quarta categoria são os milhões de refugiados, crianças, jovens, mulheres, idosos, doentes e tantos outros impossíveis de serem nominados, ao lado de tanta mobilidade de pessoas existe uma imobilidade das consciências responsáveis por tal barbárie e também por aquelas que poderiam fazer algo mais consistente, mas viram os rostos para essa triste realidade. O século XXI vem produzindo refugiados em todos os aspectos, aí entram o clima, meio ambiente, falta de trabalho, guerras, saúde, moradia, ainda são poucos aqueles que se dispõem a bem receber os imigrantes, isso nos leva a admitir entre tantas coisas que o atual estágio de desenvolvimento das nações não é e jamais será uniforme, seja internamente, seja externamente; podemos ser refugiados inclusive em nossa cidade, em nosso estado ou mesmo em nosso país, mas são poucos os que pensam ou admitem isso.

Bioeticamente, os grupos de pessoas acima relatados são milhões espalhados pelo Planeta, o homo sapiens prova cada vez mais que é pouco inclinado à paz, seja ela individual ou coletiva, os fatos da nossa realidade global têm provado sistematicamente que quanto mais o homem é lobo do homem, mais acontecem coisas ruins para todos, mesmo que a grande maioria não seja participante ativamente, pois o que afeta um acaba afetando o todo. As novas condições de existência vão exigir muito de cada um, não há como prever a hora, o dia, o mês e o ano, pois toda existência pertence a efemeridade do presente, isso é um alerta diante de toda a prepotência que grassa em todos os lugares; o ser humano forjado pelo antropoceno acredita não precisar mais de qualquer ajuda além da sua força, não lhe interessa responsabilidade, precaução ou prudência, quem se deixa moldar pelo antropocentrismo exagerado acaba aprisionando muitas alternativas que poderiam ser úteis para todos, esquecem eles que uma hora ou outra o feitiço vira-se contra o feiticeiro.

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, é Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR

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