Davos, em tempos de reviravoltas

            De tão importante que é,  a Davos de 2024 e seu Fórum Econômico Mundial, é mais uma vez entre nós uma sombra muito distante, algo quase que intocável pela maioria esmagadora dos mortais e os que lá se reúnem pouco ou nada sabem de nós aqui, quem somos, o que fazemos para sobreviver, nossas inquietações, tudo isso e muito mais está longe dos olhos e dos corações dos magnatas que lá estão, aparentemente preocupados pela situação global, situação que muitos ali reunidos contribuíram para que o atual estado das coisas esteja, do jeito que está. O grande problema de Davos, é que ele se concentra unicamente na questão econômica, ele é incapaz de compreender de que quando a economia vai de vento em popa, todo o restante vai de mal a pior; falta a Davos, um maior compromisso com a vida, Davos pode ser muito rico, mas essa riqueza é pobre de visão.

            Partindo da situação em teoria de que Davos está realmente interessado pelo presente e o futuro da humanidade, bem como do meio ambiente, certos temas parecem orbitar em suas calorosas conferências, entre os quais destacam-se: A Guerra da Ucrânia, uma mancha entre as tantas já existentes, acontecimento criminoso e macabro perpetrado pelo atual presidente russo, no início esse conflito não saia das páginas dos jornais e meios de comunicação em geral, agora, pouco vemos, quase nada sabemos, mas aquilo que nos chega deveria nos deixar preocupados; não menos apavorante é a luta entre árabes e judeus, uma carnificina de ambos os lados; Davos poderia ser sim diante deste cenário bélico, ser um momento único na história em ajudar na construção da paz; o deus adorado por Davos, o “mercado” deveria agora mostrar toda a sua força, dizer a todos porque existe.

             A segunda “preocupação” de Davos para esse ano, é a inteligência artificial e todas as suas potencialidades, seja para o bem ou para o mal, não sejamos assim tão ingênuos, pouco ou quase nada sabemos realmente da inteligência artificial, a grande maioria de nós parece ser especialista em inteligência artificial no sentido de que ela agora trará aquilo que nos falta até agora, quando na verdade ela pode ser um ovo de serpente, daquelas mais venenosas. Davos, ancorado no seu deus mercado sabe com certeza que máquinas não compram, não consomem, que artefatos tecnológicos não podem ser adquiridos sem a economia estar circulando de modo razoavelmente continuo entre todos. Inteligência artificial, para certos setores será com certeza uma grande conquista, mas também é verdade que para tantos outros setores da vida ela será uma arma letal, até desumanizante.

            O horizonte percebido por Davos não é nada calmo, bem ao contrário, ele está repleto de incertezas a curto, médio e longo prazo, Davos sabe muito  bem que o atual cenário mundial protagoniza um dos momentos mais desiguais entre as pessoas, isto é, a minoria que tem demais e a maioria que tem de menos, como ficar indiferente nesse cenário, quando apenas e tão somente cinco pessoas no Planeta inteiro duplicaram suas fortunas, desde o ano de dois mil e vinte? Como Davos pode ficar calado frente às famigeradas taxas de juros, aqui e acolá? Juros abusivos que minam as esperanças de milhões de seres humanos, dívidas de tão impagáveis que são lançam muitos no desespero, na solidão, uma economia assim não gera vida, mas sim inimizades, discórdias, ressentimentos e desejos de vinganças mais cedo ou mais tarde; Davos tente pensar nisso.

            Bioeticamente, Davos 2024 está cercado de muitas esperanças, mas também de muitas dúvidas e muitos questionamentos de outras edições ainda não resolvidos, Davos dá a impressão sempre de querer superar todo e qualquer limite, mas volta e meia ele se depara com a sua finitude, com o imprevisível, o não pensado e nem imaginado, esse sim um demolidor nato de qualquer pretensão arrogante e insensata, não baseada no todo, Davos precisa de uma vez por todas se conscientizar de que um crescimento ilimitado é pura utopia e pior ainda, ele é insustentável; Davos deveria trazer ao debate outros tantos setores da sociedade, tão ou mais importantes daqueles que só defendem um ponto de vista, ou seja, o econômico, Davos assentou-se unicamente na razão instrumental, talvez por isso venha pagando um preço alto pela sua hybris, oxalá que os tempos mudem por lá.

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia, ambos pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, Doutor e Mestre em Filosofia, professor titular do programa de Bioética pela PUC-PR. Emails: [email protected] e [email protected]

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