Estamos no mundo para nos ajudarmos e não fazermos guerra

Estamos num tempo decisivo, único, olhemos então para qualquer direção possível e constataremos que não podemos falhar em nossas escolhas individuais e coletivas, não há escapatória pensando e agindo com uma mente fechada, obtusa e principalmente excluindo o outro ou quem quer que seja dessa aventura, somos seres relacionais, uma teia de intensas informações construída durante milhares de anos. No século XXI, recheado de excessos em todas as áreas, fomos treinados até a exaustão de que absolutamente nada do que se faça, exista limites; a cada um é dado a máxima de que para ser feliz precisamos abrir todas as porteiras que a vida nos oferece, quanto mais se envereda por esses caminhos desconhecidos mais se quer conhecer, atingir o inatingível, por outras palavras, se o mundo quer mais, dê-lhe tudo e mais um pouco, nada de economia, nada de restrições, em suma: voar cada vez mais.

Nosso enlouquecido tempo carece de reflexão, há tempo e dinheiro para quase tudo, mas para um pensamento crítico do nosso atual estágio, falta quase tudo em nós, é o tempo da pressa, é a ocasião para denegrir o semelhante, é a hora para bisbilhotar o que o outro faz, qual roupa usa, quais lugares frequenta, é a hora dos cliques para contar ao mundo os mínimos detalhes de uma vida marcada pela futilidade, aquilo que praticamente não nos ajuda em nada. As bolhas da ilusão estão por toda parte, pensemos no esporte, na moda, na música, nas epopeias televisivas e suas terríveis noventa e nove por cento de publicações fake news assolando a humanidade vinte e quatro horas por dia, do outro lado da linha está o ser humano, apegado ao reino do tudo ou nada, ou possuo tal coisa ou não sou ninguém, se outro possui eu também devo possuir, nas entrelinhas da existência, competições férreas, árduas, sem lei.

Uma das tantas correntes filosóficas que podem nos ajudar a refletir sobre a época atual chama-se estoicismo, escola essa fundada por Zenão de Cício (336-274 a.C), tendo também como propagadores, Marco Aurélio, Sêneca, Epícteto, Cleantes, Crisipo, Panécio e Posidônio, chegando a nossos dias com o americano Henry David Thoreau, o qual propunha um modo de vida pautado pelas próprias mãos; é na ética estoica que vamos encontrar a sua maior força, chegando mesmo a ter influência no cristianismo primitivo. Harmonia e equilíbrio são palavras chaves nesse sistema de vida, isto é, a praticidade humana deve ser regida pela sensatez, pela prudência e moderação. O estoicismo não prega uma vida acomodada, antes ele é a favor de uma vida orientada para o todo, em especial com a vasta natureza que a tudo e todos rodeia; harmonizar-se com o todo é talvez o maior desafio já proposto aos mortais.

Impossível tratar aqui de toda a filosofia estoica e não é esse nosso intento, o que deve ficar claro é que para os estoicos, todos os humanos são parte de um mesmo processo, uma única e só razão universal, hoje dizemos também que em cada ser humano há um universo à parte, além disso os estoicos eram abertos à todas as culturas existentes até então e que a convivência entre todos era perfeitamente possível. Nos estoicos encontramos com bastante ênfase o papel da politica guiando os seres humanos, a política estoica está embasada principalmente na exigência social, ou seja, justiça e amor ao próximo, duas realidades que chegaram até nossos dias por diferentes vias. O sistema de vida estoico quando analisado de modo profundo nota-se que ele é rígido, seu programa requer um treinamento constante perante a vida, só a liberdade dá ao ser humano o sentido pleno da sua existência, bem maior.

As grandes lentes do estoicismo apontam hoje para aquilo que convencionamos chamar de comedimento, contenção, uso racional dos bens à nossa disposição, a efemeridade de tudo aquilo que nos cerca; em poucas palavras: o ser humano precisa se dar conta da finitude de todas as formas de vida, aceitar que em tudo o limite se faz presente. Outra máxima que o estoicismo nos legou e que tem custado muito para ser entendido pela sociedade moderna é fato de estarmos excessivamente apegado às coisas, coisas essas que quase sempre acabam gerando conflitos de grande monta para as partes envolvidas. Thoreau foi um exímio estoico do seu tempo, criticou severamente todos os apegos existentes em que as pessoas se agarram, em especial os objetos produzidos pela técnica; para Thoreau em cada objeto está embutido uma mentira, uma ilusão, por isso ele pregar uma vida simples, frugal, equilibrada.

Bioeticamente, usamos uma frase atribuída a Albert Einstein: “É uma loucura imaginar obter resultados diferentes fazendo sempre as mesmas coisas”; nosso atual estágio de vida vem trazendo novas palavras que tem causado em muitos uma vertigem de dimensão colossal, isto é, mudança, decrescimento, energias renováveis e limpas, economia que gera vida e não a morte, biodiversidade, um não decidido para com a brutalidade e a ignorância e tantas outras ainda que virão. O mundo sofre pelos seus constantes excessos, suas picuinhas verborrágicas, o mundo usa e abusa da exploração do Planeta, da boa-fé das pessoas, muito ressentimento por não ter esse ou aquele objeto. Tragicamente, o mundo sofre da falta de diálogo com o outro, com o diferente, dolorosamente o mundo contemporâneo sofre um limite absurdo na forma de pensar o outro, “nessa ágora louca e desequilibrada conhecida como mídias sociais”, como sabiamente nos lembra Luiz Felipe Pondé. Queiramos ou não os estoicos deixaram a sua marca, elas estão aí com novas, inquietantes e instigantes roupagens.

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, é Mestre em Bioética pela PUCPR, Graduado em Teologia pelo ISTA-BH e Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR.

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