Estudante engorda e professora quer saber se é gravidez

Flori Antonio Tasca

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por meio da sua 9ª Câmara Cível, apreciou no dia 24 de outubro de 2018 a Apelação Cível 70078318532, relatada pelo desembargador Carlos Eduardo Richinitti. Trata-se de mais um caso em que uma aluna, estudante de escola pública, foi vítima de zombaria e humilhações, mas, nesse caso, há o agravante de que não apenas os colegas, mas também uma professora constrangeu a estudante.

A aluna em questão havia se submetido a uma cirurgia de apendicite e, depois disso, passou a ganhar muito peso. Isso fez com que se tornasse alvo de chacota dos colegas na escola em que estudava. Não apenas passou a ser tratada com apelidos depreciativos como também houve insinuações de que, em verdade, ela estaria grávida. Ela alega que houve uma professora que também lhe constrangeu, pois teria pedido para ver a sua barriga, com o objetivo de verificar se o seu aumento de peso se devia à gordura ou a uma gestação.

Todos esses fatos lhe acarretariam problemas psicológicos, além de comprometer a sua autoestima e imagem pessoal. Afirmando ter sido vítima de bullying e de um tratamento inadequado por parte da escola, pedia reparação pelos danos morais suportados, além de requerer providências para a sua devida inclusão no ambiente escolar. No juízo de origem, o pedido foi acolhido, sendo fixada a reparação de R$ 4 mil, valor a ser pago pelo Estado.

Houve recurso do Estado, o qual alegava que os danos haviam sido provocados por colegas da sala, e não por agentes estatais, os quais, ao tomarem conhecimento dos fatos, chamaram os alunos envolvidos para uma conversa, da qual existe inclusive uma ata assinada, e orientaram os demais alunos sobre o tratamento respeitoso a ser dispensado a todos os seus colegas. Foi argumentado ainda que as “implicâncias” são comuns no ambiente escolar, mas que, em todo caso, o dano não estaria comprovado, pois a aluna ainda frequentava a escola, tendo, inclusive, um desempenho de destaque.

Logo de início, o relator tratou de observar que é responsabilidade do estabelecimento de ensino zelar pela integridade física e psíquica dos seus alunos. O Estado era parte legítima para responder por eventual falha na sua prestação de serviço, seja pelo bullying sofrido por uma de suas alunas ou pelo tratamento inadequado por parte de um de seus agentes.

O relator verificou que a direção da escola não havia tomado uma atitude eficiente para fazer frente ao problema enfrentado por uma de suas alunas. Uma testemunha afirmou que havia visto a estudante sair da escola chorando porque uma das professoras havia sugerido que ela estivesse grávida. Ela também disse que viu os colegas da estudante lhe perguntando coisas como “quem é o pai do seu filho?”. Para essa testemunha, a escola nada havia feito para resolver o problema, pois o constrangimento continuou nos dias seguintes e ela voltaria a ver a estudante sair da escola chorando. Isso é confirmado por outro depoimento, segundo o qual a mãe teria ido à direção da escola para resolver o problema, mas teria ouvido, em resposta, que aquilo era “coisa de criança”.

Que ocorreu de fato bullying era incontroverso, pois o próprio diretor da escola o admitiu, em seu depoimento, ainda que sugerisse que a escola agiu no sentido de coibi-lo. O diretor confessou até mesmo o episódio com a professora que queria confirmar se a estudante estava mesmo grávida, embora tenha dito que foi apenas uma pergunta para saber o que havia de verdade naquela história. Pelo depoimento de uma testemunha, porém, sugere-se que a professora pediu para que a aluna levantasse a blusa e mostrasse a sua barriga.

Nesse ponto, o relator endossou as palavras da magistrada a quo: “Os professores deviam ter uma postura diferente ao tratar de uma situação como esta, pois a abordagem feita causou mais constrangimento à menina, como também não impediu os alunos de ficarem fazendo as chacotas que tanto a incomodavam”. Embora fosse demonstrado que houve uma conversa com os alunos, não se verificou que tenha havido um acompanhamento da situação para saber se as chacotas haviam cessado. A escola não podia pressupor que o problema estava superado apenas porque a aluna não voltou a buscar a direção da escola. O desempenho escolar da aluna não afastava o fato danoso e a negligência da escola.

Entendeu-se que a aluna fez o que deveria ser feito, procurando o auxílio da direção da escola e levando a questão ao conhecimento da sua mãe, mas a escola, por seu turno, não fez tudo aquilo que lhe cabia para cessar as maledicências. O relator lembrou que não se estava a exigir que a escola dispusesse de assistentes sociais ou de psicólogos para lidar com a situação, mas o acompanhamento desse caso nos dias seguintes seria uma “questão humanitária” a ser conduzida pela direção da instituição de ensino, a qual deveria ter a consciência da gravidade das consequências que o bullying pode trazer às vítimas.

Em consequência, entendeu-se que estava caracterizada a responsabilidade objetiva do Estado e que, portanto, havia o dever de reparar a vítima pelos danos morais suportados. O relator considerou adequado o valor de R$ 4 mil para a reparação, estabelecido na origem, e foi da opinião de que ele deveria ser mantido. Os pares foram da mesma opinião, de maneira que o valor reparatório a ser pago à estudante permaneceu o mesmo.

Educador, Filósofo e Jurista. Diretor do Instituto Flamma – Educação Corporativa. Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná. [email protected]

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