Farmácias – a autorregularização do ICMS pela substituição tributária

Ailton Salomé Dutra

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No transcorrer do ano de 2020 o fisco paranaense apresentou a milhares de farmácias paranaenses o procedimento denominado “autoregularização de débito tributário”. Em gênero, este procedimento administrativo intenciona apresentar ao contribuinte determinada situação tributária que o fisco detectou como irregular, concedendo ao notificado a chance de recolher aquele valor, sem a imposição de multas, ou que apresente justificativas que possam derruir aquela pretensão fiscal.

Já em espécie, a autoregularização apresentada às vendedoras varejistas de medicamentos tinha, como principal mote, a ausência do recolhimento do ICMS, por substituição tributária – ST, em relação a diversas aquisições feitas em distribuidoras de medicamentos, paranaenses ou não, cujo imposto por substituição tributária, que deveria ser recolhido por estas distribuidoras, por um motivo ou outro não o foi.

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Certa feita criticamos esta medida fiscal, pois se atingiu, no auge da pandemia, um setor essencial no combate à Covid-19, tendo sido uma medida totalmente inoportuna naquele crítico momento nacional e mundial. Felizmente, ainda que com outros argumentos, a exigência foi se postergando e ainda não se concretizou como exigência tributária definitiva a diminuir o já reduzido fluxo de caixa destas empresas.

Voltando um pouco no raciocínio e para uma explanação melhor ao leigo neste tema, a substituição tributária do ICMS é uma regulamentação deste imposto em que há uma presunção legal do quanto aquele produto, no caso, o medicamento, será revendido ao consumidor final. Assim, o estado exige que a distribuidora, com base nesta conjectura legal, antecipa a ocorrência da venda ao consumidor final (entenda-se, antecipa o fato gerador do imposto) e determina que a distribuidora recolha o valor que seria devido pela farmácia, “substituindo” tributariamente o vendedor na etapa final da comercialização, dando assim a denominação do termo substituição tributária. A discussão da correção moral ou da justiça desta forma de arrecadação ainda não foi vencida pela doutrina e nem pelo judiciário, mas está já há décadas vigendo e assim continuará enquanto não houver uma reforma tributária de verdade para o ICMS. Mas, voltemos ao tema inicial!

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As autorregularizações às farmácias apontavam que diversas distribuidoras de medicamentos não haviam recolhido o imposto sobre as remessas de mercadorias a título de bonificação, uma forma de gratificar o comerciante varejista que, ao adquirir, por exemplo, 100 unidades, recebe 120, sendo estas 20 unidades a dita bonificação. Esta prática comercial é lícita, mas a dispensa da tributação do ICMS, seja a devida pelo vendedor atacadista (ICMS próprio), seja a devida por substituição tributária pela farmácia a estes 20 ainda está em discussão nos nossos tribunais, e, mesmo já havendo diversas jurisprudências no sentido de considerar esta gratificação como um desconto incondicional, afastando a cobrança do ICMS. Entretanto, não há ainda regramento, em sede de comando geral, vinculante e com efeito erga omnes, que determine taxativamente esta compreensão pelos fiscos estaduais.

Outrora já nos manifestamos no sentido de apontarmos diversas irregularidades, legais e materiais, nestas intimações. Há, em nosso ver, uma relativa exigência indevida às farmácias, pois se tem notícias de que as distribuidoras, que não efetuaram o pagamento da ST, já foram autuadas pelo fisco paranaense, em centenas de milhares de reais e cuja discussão se encontra ou no tribunal administrativo ou nos judiciais, mas, por sigilo fiscal, esta informação não é divulgada publicamente, sendo esta informação colhida diretamente feita por algumas destas autuadas às farmácias, a fim de auxiliar nas justificativas ao fisco. Desta forma, há um claro bis in idem (mesmo ente federativo tributando duplamente o mesmo fato gerador), enriquecendo sem causa lícita o erário.

Noutra diapasão, também contestamos que esta exigência não é cabível às farmácias, pois no contexto legal (e aqui a explanação seria por demais longa para um artigo) estas não seriam o sujeito passivo desta obrigação.

À par destas exigências, o Paraná editou a Lei Complementar nº 239, publicada em 14 de dezembro de 2021, que permite que as intimadas façam o pagamento do débito entendido como devido pelo fisco, em até 60 parcelas, com a dispensa de 100% da multa. O prazo constante nesta norma para apresentar o pedido de parcelamento está estipulado em 31/12/2021, devendo haver uma prorrogação desta data pela impossibilidade de se cumprir este prazo, havendo já uma previsão desta dilação, mas com autorização do Confaz – Conselho nacional de Política Fazendária. O governo apresentou o pedido de lei lá pelo início do segundo trimestre de 2021, mas a assembleia legislativa demorou até dezembro para fazer a votação. Na prática, isto resulta que antes de fevereiro de 2022 dificilmente este prazo estará esgotado ou até mesmo determinado, mesmo que este pedido já tenha sido apresentado a este órgão regulador (Confaz)

Entendo então que as empresas que estão com estas autorregularizações pendentes ainda de análise pelo fisco, não devem se apavorar em função da edição desta lei como definidora do débito; o fisco ainda deverá ajustar, no meu modesto entendimento, os valores constantes naquelas intimações, pois foi utilizado para os cálculos do débito o PMC – Preço médio ao consumidor, e a LC 239/2021 exige que seja o cálculo efetuado pelo PMPF – Preço médio ponderado ao consumidor final, o qual é menor que o PMC e que exige a pesquisa de mercado dos valores, em tempos pretéritos, para a sua nova mensuração. Ou seja, a intimação apresentada em 2020 deverá, forçosamente, ser recalculada, sob pena de não estar dentro dos ditames na novel lei complementar.

É de bom termo que se aguarde a regulamentação dos procedimentos administrativos para a implantação desta lei complementar e que o fisco reveja os cálculos anteriormente efetuados, provavelmente sendo concedido novos prazos para novas justificativas por parte dos contribuintes nas situações entendidas como irregulares. Portanto, nada de precipitação ou pavor por parte das empresas, a lei está ajustando a necessidade social da discutida exigência tributária e não determinando a sua constituição e exigência final do imposto, atos estes que são próprios dentro do devido processo legal, da ampla defesa e do pleno contraditório.

Advogado tributarista e empresarial – bacharel em Ciências Contábeis

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