Libertar-se da obrigação de sermos iguais!

Dom Edgar Xavier Ertl*

Quando o Papa Francisco escreveu na Exortação Apostólica Amoris Laetitia (2016), sobre o “amor na família”, um dos temas assaz caro ao coração do Santo Padre é o “diálogo” e sua importância para a fecundidade e perseverança dos matrimônios, como sacramento do amor em família (cf. AL nn. 136-139).

O diálogo é uma modalidade privilegiada e indispensável para viver, exprimir e maturar o amor na vida matrimonial e familiar. Mas requer uma longa e diligente aprendizagem. Homens e mulheres, adultos e jovens têm maneiras diversas de comunicar, usam linguagens diferentes, regem-se por códigos distintos. O modo de perguntar, a forma de responder, o tom usado, o momento escolhido e muitos outros fatores podem condicionar a comunicação. Além disso, é sempre necessário cultivar algumas atitudes que são expressão de amor e tornam possível o diálogo autêntico.

 Reservar tempo, tempo de qualidade, que permita escutar, com paciência e atenção, até que o outro tenha manifestado tudo o que precisava de comunicar. Em vez de começar a dar opiniões ou conselhos, é preciso assegurar-se de ter escutado tudo o que o outro tem necessidade de dizer. Isto implica fazer silêncio interior, para escutar sem ruídos no coração e na mente: despojar-se das pressas, pôr de lado as próprias necessidades e urgências, dar espaço. Muitas vezes um dos cônjuges não precisa duma solução para os seus problemas, mas de ser ouvido. Tem de sentir que se apreendeu a sua mágoa, a sua desilusão, o seu medo, a sua ira, a sua esperança, o seu sonho. Todavia, é frequente ouvir estes queixumes: “Não me ouve. E quando parece que o faz, na realidade está a pensar noutra coisa”. “Falo-lhe e tenho a sensação de que está à espera que acabe de vez”. “Quando lhe falo, tenta mudar de assunto ou dá-me respostas rápidas para encerrar a conversa”.

Desenvolver o hábito de dar real importância ao outro. Trata-se de dar valor à sua pessoa, reconhecer que tem direito de existir, pensar de maneira autônoma e ser feliz. É preciso nunca subestimar aquilo que diz ou reivindica, ainda que seja necessário exprimir o meu ponto de vista. A tudo isto subjaz a convicção de que todos têm algo para dar, pois têm outra experiência da vida, olham doutro ponto de vista, desenvolveram outras preocupações e possuem outras capacidades e intuições. É possível reconhecer a verdade do outro, a importância das suas preocupações mais profundas e a motivação de fundo do que diz, inclusive das palavras agressivas. Para isso, é preciso colocar-se no seu lugar e interpretar a profundidade do seu coração, individuar o que o apaixona, e tomar essa paixão como ponto de partida para aprofundar o diálogo.

Amplitude mental, para não se encerrar obsessivamente numas poucas ideias, e flexibilidade para poder modificar ou completar as próprias opiniões. É possível que, do meu pensamento e do pensamento do outro, possa surgir uma nova síntese que nos enriqueça a ambos. A unidade, a que temos de aspirar, não é uniformidade, mas uma “unidade na diversidade” ou uma “diversidade reconciliada”. Neste estilo enriquecedor de comunhão fraterna, seres diferentes encontram-se, respeitam-se e apreciam-se e são felizes.

 Libertemo-nos da obrigação de sermos iguais!

Também é necessária sagacidade para advertir a tempo eventuais “interferências”, a fim de que não destruam um processo de diálogo. Por exemplo, reconhecer os maus sentimentos que poderiam surgir e relativizá-los, para não prejudicarem a comunicação. É importante a capacidade de expressar aquilo que se sente, sem ferir; utilizar uma linguagem e um modo de falar que possam ser mais facilmente aceites ou tolerados pelo outro, embora o conteúdo seja exigente; expor as próprias críticas, mas sem descarregar a ira como uma forma de vingança, e evitar uma linguagem moralizante que procure apenas agredir, ironizar, culpabilizar e ferir. Libertemo-nos, urgentemente, do “devo ser igual aos outros…”.

*Dom Edgar Xavier Ertl – Bispo da Diocese de Palmas-Francisco Beltrão

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