Mulheres marcantes (01): Adela Cortina

            A primeira mulher marcante e brilhante  deste mês de março de dois mil e vinte e três, que queremos homenagear, é a filósofa espanhola, Adela Cortina, hoje com setenta e seis anos de idade, uma mulher com uma longa experiência nas salas de aula, lecionando para pessoas das mais diferentes idades, os temas centrais que ocupam hoje quase todas as esferas da existência humana, quais sejam: melhoramento genético humano, ecologia e meio ambiente, bem como a crise climática, as guerras, a ampla discriminação da mulher nos mais diferentes círculos, os negócios em geral, bem como a economia e também a atual globalização. Com tantas pregações de peças que esses temas oferecem às pessoas, Adela Cortina reafirma categoricamente que precisamos nos preparar cada vez mais para termos chances de sobreviver, sem a união das forças, nos será impossível vencer a luta.

            Uma desproporcional revolução que nos vem atingindo por inteiro, fascínio, luxúria, fanatismo, a fragmentação penetra em cada um de modos variados, não raro encontramos em cada esquina uma superficialidade que assusta, simplificar é a palavra de ordem, mas ao mesmo tempo essa tão bafejada onda superficial, lança sombras cada vez mais densas sobre tudo o que nos cerca, ninguém está seguro a ponto de dizer que absolutamente nada o atinge. Quanto mais se avança, mais a precariedade e a vulnerabilidade se fazem notar. No pensamento de Adela Cortina vislumbra-se o desfazimento dos vínculos, sejam eles familiares, sociais e institucionais e uma quebra nos vínculos transforma cada um em potencial inimigo a ser combatido, o que já estamos vivenciando com grande regularidade; na ebulição das coisas, falta-nos justamente a conexão, o diálogo, uma convivência maior.

            De tão fissurada que está a humanidade em viver desesperadamente o futuro, ela esqueceu de viver o presente, de tão afoita e ansiosa que estava a humanidade em se livrar do antigo, do antiquado e retrógrado, eis que com a vinda do ser invisível, justamente essas e outras conquistas passadas, agora abominadas, num instante elas voltam com força total, um tapa na cara dos visionários futuristas, os mesmos promotores da morte da morte já em 2045; um mundo rico em imagens, viagens, glamour, tecnologia, mas ao mesmo tempo paupérrimo ao se dar conta da sua pequenez, da sua ineficiência perante um ser microscópico, mas destruidor de crenças, das certezas para o amanhã, mostrando assim que a nossa soberba não resiste nem mesmo a uma “gripezinha”. Nossos sonhos já talvez não sejam como num passado recente; tudo então nos obriga a nos revisitarmos por inteiro.

            A humanidade hoje precisa fazer uma reavaliação de si mesma, a se organizar melhor, ser mais humana e acolhedora, essa mesma humanidade não pode ficar refém de duas ou três nações que que decidem tudo, atacam quem elas querem ou ainda decidem sobre quem deve viver ou morrer, sabemos por experiência que os pequenos dificilmente têm alguma chance perante os cataclismos que estão rondando nossos quintais todos os dias. Essa mesma humanidade, na visão de Adela Cortina deveria colocar um freio naquela sua louca ânsia de vencer sempre e a qualquer custo, uma corrida sem fim a todo momento para vencer todas as suas fissuras, todas aquelas manchas, todos aqueles percalços, que por mais que se tente eles sempre voltam com roupagens novas; a humanidade só chegou onde chegou foi pelas inúmeras relações desenvolvidas, sozinhos não vamos muito longe.

            Adela Corina, tem sido notabilizada por cunhar a expressão “aporofobia”, uma palavra que tem origem grega e no geral ela nada mais é do que a expressão de todos os medos, aquelas perigosas patologias sociais e fobias sobre o que o outro pode vir a fazer quando em contato com pessoas “puras”, o diferente tem sido atacado de muitos modos, daí uma rejeição quase generalizada de pessoas com outras crenças religiosas, de outras etnias, por outras palavras, cresceu entre nós a xenofobia, a islamofobia, a homofobia, o racismo, o feminicidio, a aversão pelos imigrantes e pior ainda, o desprezo se faz presente pelas pessoas da nossa própria nação. Tem sido recorrente jogar a culpa pelas mazelas existentes, nos outros, nos perdedores, daqueles que são considerados um peso e um estorvo para a sociedade futura que há de vir, eis aí um grande enigma pairando em nós.

            Bioeticamente, hoje o pensamento plural de Adela Cortina tem muito a nos ensinar, chama os acontecimentos de hoje pelos seus devidos nomes, dificilmente vemos na sua obra a construção de eufemismos para maquiar o momento em que vivemos, segundo ela falta-nos coragem, tato, a percepção plena de todos os perigos que nos rondam, daí esse enclausuramento em pequenas bolhas que cedo ou tarde tornam-se monstros para o próprio ser humano, no cerne da sua visão encontra-se a pobreza que assola todos os continentes, não apenas a pobreza de recursos, ela é muito mais ampla que isso, por isso a nossa grande dificuldade em alargar a linguagem sobre o tema, por outras vias, no mundo de hoje, cada vez menos pessoas, tem mais, cada vez mais pessoas pobres, se tornam pessoas miseráveis. As causas desses e tantos outros dilemas são por demais conhecidas segundo ela, mas falta à nossa sociedade coragem suficiente para atacar as causas, “é então mais fácil deixar as pessoas vulneráveis do lado de fora, ou sim que morram no mar”.

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética e Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR.

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