Mulheres marcantes (01): Ana Maria Primavesi

Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla

Nossa primeira mulher marcante a ser homenageada neste mês de março de 2022 é Ana Maria Primavesi (1920-2020), austríaca de nascimento, chegou no Brasil em 1949 e mais tarde naturalizando-se, uma mulher que veio juntamente com seus antepassados do campo, uma família que perdeu muitas vidas e também suas terras e seus bens na época da 2ª Guerra Mundial. Em contato com a tragédia ela e seu marido abandonaram a Europa e vieram para o Brasil construir seu sonho de uma vida melhor, novos projetos e principalmente fazer aquilo que ela mais gostava, ou seja, trabalhar na terra, mas não um trabalho qualquer, mas integral em todas as dimensões que a terra necessita ter; Ana Maria Primavesi foi autora de muitos artigos e livros, respeitada em todos os ambientes por onde passou, todos sejamos ou não da sua área temos muito ainda a aprender com esta mulher.

Ana Maria Primavesi será sempre uma referência, esteve conectada com o solo, afirmou até o fim que este é um organismo vivo multifacetado e que se relaciona com o todo em todas as dimensões, numa das suas últimas aparições em público declarou que “sem a natureza não existimos mais, ela é a base da nossa vida, lutar pela terra, lutar pelas plantas, lutar pela agricultura, porque se não vivermos dentro da agricultora, vamos acabar; não tem vida que continue sem terra, sem agricultura”. Por seu forte posicionamento crítico em relação ao que está ocorrendo com as terras agricultáveis sofreu vários ataques pessoais, tentaram desmoralizá-la perante a comunidade acadêmica; para ela o modelo atual de produção agrícola não conseguirá se sustentar ao longo do tempo, pois não caminha de mãos dadas com a terra, no atual modelo o que importa é lucrar, tirar proveito.

Ana Maria Primavesi não se originou do nada, ela veio de uma sociedade concreta e foi nesse ambiente que começou seus passos, foi aprendendo, observando, aprimorando sua vontade e também notando a relação humana com a terra, desde pequena ela soube conviver com aquilo que dá vida ao ser humano, esta convivência foi até o fim um projeto audacioso, cheio de descobertas que colocou à disposição de todos. Outras características dessa mulher marcante é que ela foi extremamente observadora das práticas agricultáveis em seu entorno, suas dúvidas foram sendo esclarecidas buscando sempre as fontes, não se contentava em tratar os sintomas, queria sim saber toda e qualquer causa; na sua visão holística a vida está integrada, tudo se relaciona; a terra não é um ser isolado, perdido na imensidão, é algo mais profundo que ainda estamos descobrindo mesmo às apalpadelas.

Muitos falam sobre o conturbado momento atual da terra, mas poucos realmente tem tido a preocupação necessária com ela, tudo deve ser feito, produzido e vendido no menor espaço de tempo possível, uma visão intensamente mecanicista que não leva em conta os ciclos naturais da natureza, atitudes assim tem levado as pessoas a ficarem cada vez mais longe das suas origens com a terra, na vida compartimentada de hoje torna-se difícil fazer uma análise conjuntural sobre tudo aquilo que realmente importa, são poucas as pessoas que conseguem ver o todo; Ana Maria encontra-se nesse rol. Essa mulher alertou sobre os tantos perigos que rondam a prática da agricultura atual, tal tecnificação desmedida que assistimos preocupa, ela tem sido a promotora de um grande divórcio, ou seja, a ciência verdadeira que deveria auxiliar a terra, em muitas situações acaba sendo seu Frankenstein.

Ana Maria Primavesi sustenta que é fundamental se adquirir uma nova forma de se relacionar com a terra, para isso uma integração com outras áreas do saber que foram sendo postas deliberadamente de lado precisa ser reativada urgentemente, insiste que ver, perceber, sentir, agir com a totalidade é a saída, isto é, sem essa clareza do papel humano em relação ao futuro da existência humana e extra-humana tudo ficará mais difícil, insustentável. A terra é motivo de muitos dissabores bem o sabemos, principalmente pelo seu uso irresponsável pela classe humana, esse cinismo suicida procura apenas repartir as catástrofes e segurar o lucro nas mãos de poucos; muito marketing, muitas falas sem rumo, muitos tipos de vernizes servem apenas para disfarçar a realidade que clama por soluções urgentes em todas direções, ou mudamos o rumo ou todos vão para o precipício.

Bioeticamente, Ana Maria Primavesi representa um grande exemplo nesse cenário preocupante que a todos afeta, nada nem ninguém pode se eximir de buscar por boas práticas, a natureza é diversa e nunca uniforme, robôs e máquinas inteligentes não sabem dialogar com a terra, a não ser por imposição e sua total falta de respeito, muitas facilidades que num primeiro momento podem até dar a sensação de que tudo vai bem, mas ao longo do tempo não se sustentam. Ana Maria Primavesi apresenta uma alternativa de convivência com a terra totalmente diferente do que aí está, ela não é contra a ciência, bem ao contrário ela vê que o estudo, a experiência e a prática são fundamentais, mas que por si só quando afastados do todo pouco ou nada acrescentam. A sociedade conflitiva do século XXI, quase à beira de um ataque de nervos paga um preço absurdo por adotar a hybris como o seu carro chefe, os custos até agora têm sido muito superiores aos benefícios propalados; Ana Maria Primavesi, modelo, guia para muitas situações, não custa muito pedirmos sua ajuda.    

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, é Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR

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