Não lhe direi adeus, meu amigo

Luiz Francisco Guil

Os bons amigos nos dão o prazer de conversar e conviver. Mas alguns deles ultrapassam as medidas e nos transportam ao mundo do improvável. Dividimos músicas, livros, conceitos, sonhos e esperanças. Alguns vão ficando pelo caminho, outros conhecemos em idade já avançada, e o gosto do encontro é o mesmo dos tempos de adolescente. O frescor das conversas ilimitadas, sem restrições, sem receios de julgamentos, mas com o prazer de sermos compreendidos em alguma instância mais profunda do nosso espírito.

Alguém poderá achar estranho que meu último grande amigo foi um industrial, proprietário de uma das maiores fábricas de fogões do Brasil. Porque os grandes empresários geralmente configuram-se entidades distantes e intocáveis. Mas Cláudio Petrycoski não era assim.

Fiquei sabendo da sua existência em 2019, quando ele foi citado pelo então prefeito de Pato Branco, Augustinho Zucchi. Naquele momento estávamos planejando escrever um livro histórico sobre a cidade. Alguns dias depois encontrei Cláudio pessoalmente, no escritório de Marcelo Dalle Teze. Ele chegou perguntando, “Onde é que eu assino?”. De saída, demonstrava sua disposição e empenho em fazer as coisas acontecerem.

A convivência foi inevitável. Cláudio nunca interferiu no conteúdo que deveria ser acrescentado ao livro. Mas com freqüência nos encontrávamos para debater temas relacionados a Pato Branco. Num desses dias levou-me conhecer sua oficina de automóveis antigos e o Parque das Indústrias. Duas obras nas quais buscou colocar seu sonho de arte. Embora não fosse um artista, apreciava incursões estéticas e financiava os projetos que lhe parecessem valorosos. Um deles era um filme, que estávamos pré-produzindo em parceria com o cineasta Rubens Gennaro, respectivo à Revolta dos Posseiros de 1957.

Fui observando, cada vez mais curioso com aquele cidadão que, apesar de suas preocupações empresariais, gastava parte de suas energias e de seus recursos em obras sociais, artísticas, esportivas, filantrópicas e científicas. Conversávamos sobre os gregos e os romanos, os iluministas que provocaram a Revolução Francesa os vanguardistas do século XIX. Para minha surpresa, um de seus livros dos tempos de estudante foi “Assim Falava Zaratustra”, uma das obras mais conhecidas de Friedrich Nietzsche. Debatemos John Steinbeck, Henry Miller e H. L. Mencken. Mas o que mais me surpreendeu foi ver em sua mesa um velho e surrado exemplar de “Demian”, de Hermann Hesse, o livro que na juventude havia me transportado aos mais delirantes recantos da minha alma. “Deixei aí em cima da mesa pra lembrar que tenho de reler”, disse-me Cláudio. Nesse momento dei-me conta de que estava olhando o outro lado da pessoa que, ao público, configurava-se um empresário de sucesso. Cláudio não era um filantropo por acaso, conveniência ou interesse. Era por conhecimento. Embora não fosse religioso, tinha uma fé intransigente na evolução humana, no melhor dos sentidos!

Logo depois que concluímos a produção do livro “Pato Branco” ― integralmente patrocinado por Cláudio, por meio da Atlas e do Instituto Theóphilo Petrycoski ― desafiei-o a produzir uma obra histórica sobre Foz do Iguaçu. Enquanto eu contava meus motivos, percebi que ele também estava falando sobre as maravilhas da cidade das Cataratas e me ajudando a convencê-lo. Ao final do meu discurso, estendeu-me a mão, com um sorriso e uma palavra: “Sócio!”. Confesso que naquele dia voltei para casa pleno de glória. Quem trabalha com captação de recursos para projetos culturais sabe o quanto é difícil esta faina! Mas lá estava eu, levando para casa um apoio integral a uma idéia que vinha cultivando havia mais de 10 anos. (O livro de “A Fantástica História de Foz do Iguaçu” foi lançado no último dia 8/11, na sede do Movie Cars, o parque temático dos Carros de Cinema, que Cláudio instalou em parceria com seu filho Jin, na Rodovia das Cataratas).

Em minha última visita a Pato Branco, em setembro último, encontrei um Cláudio um tanto mais silencioso. Para minha surpresa, estava de barba. Embora abatido fisicamente, após passar por uma breve cirurgia, falou-me de seus novos e grandiosos projetos para a cidade. Ele pretendia instalar uma torre de observação, estilizada com equipamentos de astronomia, incluindo um potente telescópio. No teto da cúpula, convidaria um artista para pintar as figuras de Erich Von Däniken (autor do livro “Eram os Deuses Astronautas?”) e o ET de Steven Spielberg, tocando-se pelos dedos ― à semelhança de Deus e Adão na obra de Michelangelo da Capela Sistina.

Cláudio também estava projetando um museu para expor suas coleções. Nos últimos anos ele vinha colecionando canetas, chaveiros, relógios, carrinhos, cartões de visitas e outros objetos que comprava de colecionadores. São milhares de exemplares, e cada um deles vinha sendo devidamente catalogado por uma auxiliar.

Também estava na prancheta de projetos uma “Escola do Conhecimento”, na qual os alunos teriam a oportunidade de aprender a pensar por si próprios. Ela estaria inserida num parque temático dedicado aos filósofos de toda a história humana. Os mais destacados pensadores de cada época teriam, cada qual, um quiosque próprio, com sua estátua, sua história e seus escritos. “Eles nos deram tanto, está na hora de retribuir”, disse Cláudio. Ele havia reservado uma área para esse parque ao lado da oficina de carros antigos ― “CP”. Solicitou-me que escrevesse um pré-projeto, apontando os principais conteúdos a serem explorados na área da filosofia. Apresentei-lhe 30 tópicos, envolvendo desde a filosofia pré-socrática até a oriental, chegando aos pensadores da era atômica. Ele leu e me disse: “Vamos ter que comprar um terreno maior”.

Por essas e outras, não me despeço, meu amigo. Sua vida continua presente na minha. E em toda a comunidade de Pato Branco e do Sudoeste!

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