Pacem in Terris, atual como nunca

Sessenta anos atrás (1963), tem muitas e significativas similitudes com o presente no qual estamos mergulhados de cabeça, seis décadas passadas, o clima de pavor também dominava o Planeta, havia o perigo iminente de uma catástrofe nuclear liderada pela então União Soviética e Estados Unidos, bem como os seus países satélites espalhados por todos os lados. Alguns antecedentes que inflamaram a quase destruição planetária; temos a crise dos longos treze dias do mês de outubro de 1962, nos quais a extinta União soviética liderou a instalação de misseis nucleares em Cuba, curiosamente dois anos antes, isto é, em 30 de outubro de 1961, os soviéticos explodiram em Nova Zembla, o maior artefato nuclear de toda a história, a bomba Tsar. Não somente os soviéticos, também os americanos nesses anos produziram e testaram armas nucleares aos borbotões, aumentando assim a tensão.

Os exemplos acima citados são apenas uma ínfima parte daqueles crimes que essas duas nações praticaram contra os seres humanos, extra-humanos e o meio ambiente em geral, o uso indiscriminado de armas nucleares em testes em muitas partes do Planeta, deixaram um rastro de violência sem igual que permanece até os dias de hoje. Sessenta anos atrás, com aliás hoje também ocorre, havia o perigo de um apocalipse nuclear, uma coexistência pacífica muito frágil, mesmo que todos soubessem que por debaixo dos panos tal coexistência era apenas um conto de fadas para quem quisesse acreditar; ontem como hoje, a sede pelo domínio global é muito grande, não são medidos esforços para alcançar tal intento, usam-se os mais fracos, criam-se as debilidades para que todos fiquem anestesiados, a paz que propõem é falsa, não atinge a todos, não são coerentes em nada.

Sessenta anos atrás, precisamente no dia 11 de abril de 1963, o Papa João XXIII, num lampejo profético, presenteou o mundo com a sua última encíclica, que levou o nome de Pacem in Terris, um documento de magnitude inigualável e hoje mais do que nunca, atualíssima. Ela surge num dos momentos mais tensos da humanidade, todas as suas páginas são dedicadas à paz mundial, os novos tempos que corriam naquela época não poderiam jamais se sustentar em um mundo dilacerado de ambos os lados. Novas realidades, novos desafios, a paz não é algo que se conquista de uma hora para outra, por isso a Pacem in Terris é um projeto audacioso para qualquer sistema governamental; hoje sabemos por experiência própria que a convivência humana está por demais periclitante, existem em nosso meio, bombas de diferentes naturezas, tão letais quantos as nucleares.

Nossa época não é melhor nem pior do que aquela dos anos sessenta, o hoje é o que é, talvez o que a difere é que hoje não temos um caminho certo a seguir, há muitas estradas mas todas elas esburacadas, as quais ocasionam acidentes constantes numa ou noutra parte do nosso ser, a desordem que reina não pode ser o nosso carro chefe, não pode ser ela a ditar esse caminho insano que estamos trilhando, não somos feitos para fazer o mal, não fomos enviados a este mundo a passeio, nossa marca no mundo não deve ser aquela da mesquinhez, sabemos amplamente como terminaram os dias daqueles que massacraram outros povos, o progresso que queremos não pode estar pautado na baixeza do outro, muito menos pela negligência em relação ao nosso meio ambiente; nosso futuro não pode repetir o passado, nem mesmo ser um museu de grandes novidades diria Cazuza.

Muitos alegam que lhes falta tempo para organizar a vida, bem como estamos gerindo a mesma, nossos destinos comuns, nossas aspirações mais profundas, tanto em mil novecentos e sessenta e três como hoje, as queixas para com as questões mais vitais eram e são deixadas de lado, raros são aqueles que se debruçam como viveremos daqui uns anos. Na década de sessenta muitos alegavam que não havia outro imperativo senão o da guerra, um erro catastrófico, por isso a Pacem in Terris vem suprir essa lacuna, muitas alucinações apavorantes do que uma guerra nuclear pode provocar, já nos foram mostradas centenas de vezes, mas nenhuma delas se iguala à realidade, absolutamente ninguém tem condições de prever como será a sobrevivência num ambiente totalmente contaminado pela radiação; nossa existência não pode ser vazia, incerta e irresponsável.

Bioeticamente, nesses dias que vemos, ouvimos e lemos sobre o possível uso de armas nucleares na guerra vergonhosa da Ucrânia, por parte do assassino Putin devemos ficar em alerta máximo, a insanidade desse líder governamental mesquinho tem o poder de lançar o mundo em algo imprevisto e imprevisível para quem quer que seja, ele se esquece que ninguém está absolutamente a salvo numa catástrofe dessa natureza. Hiroshima e Nagasaki, foram crimes contra a humanidade que ficaram impunes, seus carrascos adquiriram novas formas, novos rostos, novos métodos de matança em massa, correm atrás de algo que nunca poderão conquistar, isto é, uma obstinação sem fim pelo futuro, esses líderes são completamente incapazes de pensar qualquer coisa com profundidade, principalmente em relação à vida. A Pacem in Terris é um marco para com as relações internacionais entre as nações, ela é um guia seguro contra as mais antigas ilusões humanas; ela não deixa a humanidade sozinha, humanidade que parece estar estagnada.

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética e Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, é de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR.

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