Ser líder para gerar vida e não a morte

Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla

As grandes certezas que a Modernidade fez questão de nos impor como imutáveis no tempo e no espaço, aos poucos vão dando lugar a muitos questionamentos, elas não são mais tão certas assim, quem ainda crê nas certezas modernas, ou é louco ou é torcedor fanático de algum clube de futebol, inegável que a Modernidade fez coisas boas bem pontuais pela humanidade, mas quando olhada no conjunto não passa nenhum um pouco despercebido todos os seus erros, as suas trapaças, seus malefícios. O mundo em muitos setores ficou absurdamente rico, mas profundamente pobre em outros, alguns foram até à Lua, milhões não conseguem sequer o mínimo necessário para se viver, a Modernidade foi capaz de dividir o átomo, mas incapaz de reunir a humanidade num pacto pelo bem comum; não poderia ser diferente: em todos esses ambientes citados está presente o ser humano.

Maximilian Karl Emil Weber, ou simplesmente Max Weber (1864-1920), é um daqueles personagens singulares aos quais precisamos retornar com frequência para nos situarmos com dignidade e pertença num mundo que nos quer a todo custo afastado das grandes decisões sociais, ele de saúde frágil não esmoreceu diante dos desafios do seu tempo, em especial as questões sociais que permeavam sua época. No seu campo de estudo esteve sempre presente o estado moderno, a sociedade industrial, toda a burocracia que começava a grassar nesses ambientes, assim como o surgimento de um elemento fundamental e estruturante, em outros termos, por detrás desses e outros temas que vieram com o passar do tempo a tomar formas e corpos bem distintos está o ser humano com a sua incrível capacidade de modelar o seu entorno; importante é o seu estudo sobre o líder.

Na escala weberiana há o líder natural ou mais precisamente aquele ser tradicional, algo muito presente ainda nos principais ambientes da sociedade, em outras palavras, o líder devido a sua posição manda, desmanda, ele sabe o certo, o errado, assim como sabe o caminho que cada um deve seguir sob sua orientação. Um passo em falso do súdito pode acarretar problemas para ele, isso porque na concepção do líder tradicional, desobedecê-lo é quebrar a longa corrente onde tudo está profundamente enraizado; hoje mais do que nunca esse modelo de líder é posto em xeque e como bem sabemos as tradições nos últimos tempos vem sendo corroídas por muitos fatores. O líder tradicional pode continuar a sê-lo, porém nas atuais circunstâncias tal modelo encontra sérias resistências, a cada instante surgem novos deveres e direitos para todos, assim como surgem novos paradoxos.

Indo mais além das aparências, vamos encontrar em Weber aquele líder legal, ou seja, aquele que foi colocado pela lei em vigor num patamar acima para bem gerir a vida social do grupo, esse líder precisa antes de mais nada estar atento ao que os seus anseiam dele para aquele momento especifico; seria de se esperar que o líder legal desempenhasse bem a sua função, mas eis que volta e meia presenciamos falhas nesse líder assim como naqueles que tem a missão de auxiliá-lo. Isso é natural tratando-se do ser humano, muitas vezes esse líder é traído por si mesmo, ou pelos seus, isto é, o jogo de forças que atua em torno do líder legal é imenso, desumano, daí advém todo tipo de disparidade, crises as mais inusitadas possíveis; o século XXI assiste a vários casos de líderes que quebraram as regras do jogo, tornaram-se então simplesmente piratas sem bandeira, sem alma e vazios.

Finalmente Weber nos brinda com a figura do líder carismático, esse é raro, mas não impossível de acontecer, a própria história se encarrega de nos apresentar vários nomes importantes, seja para o bem, seja para o mal; desde a antiguidade mais remota, até o momento presente esse modelo está em vigor, um líder carismático consegue com que seus adeptos façam coisas por ele simplesmente inacreditáveis. Tudo no líder carismático chama a atenção dos seus admiradores, como por exemplo: a fala, as expressões faciais, as vestimentas, a sua plataforma de atuação, o que ele pensa de si e dos outros, assim como ele elabora um plano de futuro para aqueles que nele creem. Aqui também os desvios se fazem presente, pois o líder carismático vai apenas até certo ponto, dali para frente ele retrocede, é a parte mais difícil para os seus aceitarem; o seu projeto acaba naufragando.

Bioeticamente, a noção de líder em Max Weber é de extrema importância para nós todos, em especial agora quando acontece um desastre sem precedentes na Ucrânia e outros lugares mais que estão sendo esquecidos pela comunidade internacional, os líderes de hoje, com raríssimas exceções não se mostram nem um pouco à altura do cargo que exercem e daquilo que deveriam fazer em prol dos seus países, assim como daqueles que neles confiaram. A maioria dos líderes de hoje apenas buscam projetar a imagem irreal de si mesmos sobre os outros, falam mas não dizem, agem, mas não fazem nada, dão sorrisos e apertos de mãos nos seus, apenas por mera conveniência, oferecem ajuda humanitária, mas ficamos estarrecidos que essa ajuda se chame “mais envio de armas”; o conflito na Ucrânia nos pede com urgência uma reformulação em nosso pensamento na questão de quais líderes realmente queremos para a nossa comunidade, nossos filhos, nosso futuro comum; o líder realmente verdadeiro não pode levar à morte aqueles que nele acreditaram.

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, é Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR

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