Todas as coisas que fazem a vida

Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla

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Todos nós mortais precisamos de algo a mais para viver, sobreviver, enfrentar o dia a dia como ele se apresenta perante cada um, passar por esta vida sem sonhos é o mesmo que mandar lembranças para quem não se conhece, por isso ao longo do tempo os seres humanos cada um ao seu modo foi criando para si e os outros aquilo que se convencionou chamar de utopia, ou seja, algo que só existe em nossa cabeça, ali onde tudo pode acontecer, onde cada um pode ser feliz ao seu modo. Muitas dessas utopias saíram das mentes de grandes personagens e viraram verdadeiras relíquias ao nosso dispor, elas nos encantam, perturbam, nos interrogam; enfim são de uma atualidade única, são capazes de trazer à tona uma sabedoria imensa, aquilo que muito nos falta hoje, tais escritos foram corajosos em mostrar alternativas para se viver, oxalá uma dessas ainda se torne realidade.

Tomás Morus (1478-1535), figura entre os grandes utopistas, figura insigne da política inglesa que ocupou diversos cargos, advogado, filósofo, diplomata e um profundo conhecedor dos principais clássicos até então conhecidos. Deixou-nos muitas obras de relevo, mas a principal de todas elas chama-se “Utopia”, a sua cidade ideal; aí encontramos toda a profundidade de Morus, por ser um homem justo, pensou numa sociedade também justa, por isso na obra se vê com clareza a sua profunda admiração pelos bons costumes, a organização, o tempo disposto de forma religiosa. Tomás Morus não tolerava a injustiça social, bem como uma pequena economia que sobrevivia à custa do empobrecimento de milhares, em sua obra, tanto a ciência como a técnica possuem grande valor e respeito, porém ambas são verdadeiramente úteis quando colocadas para o bem de todos os seus.

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Tomasso Campanella (1568-1639), calabrês de nascimento, foi um filósofo, teólogo e membro da Ordem dos Pregadores (dominicanos), mente privilegiada, conhecedor das leis humanas e divinas, esteve muito à frente do seu tempo, por isso foi acusado de conjuração, julgado e condenando passou vinte e sete anos na prisão. Deixou muitos trabalhos, sua obra seminal é a “Cidade do Sol”, ou seja, é aquela sociedade regida pela teocracia, algo fundido na política e na religião. Ao contrário de Morus, Campanella postula uma monarquia global, o rigorismo de Campanella não passa despercebido em muitas questões ele é levado a ferro e fogo para com os cidadãos: ordem, presteza e clareza nas atribuições de cada indivíduo e o mais necessário de tudo: uma vigilância constante, fortemente hierarquizada, onde sempre há alguém acima de outro alguém para tudo andar.

Aldous Leonard Huxley (1894-1963), descende de uma família ligada às letras, por isso fizeram parte da sua formação uma vasta gama de assuntos que dominaram a primeira metade do século XX, entre os quais a política, a ciência, o estado, os totalitarismos, bem como todas as ideologias que podem ofuscar o ser humano em todas as suas dimensões. Sua obra magna é “Admirável Mundo Novo”, um escrito vigoroso e de atualidade ímpar. Aí estão contidos temas que hoje tronaram-se parte cotidiana da existência humana, tais como: reprodução manipulada para fins não nobres, a docilidade das pessoas em aceitar o progresso sem questionamento algum, assim como as profundas incertezas que poderiam advir dessa falta quase que total de percepção sobre aquilo que nos rodeia, Huxley, de modo profético antecipa um mundo onde a vontade e a liberdade pouco importa.

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Eric Arthur Blair (1903-1950), mais conhecido com George Orwell, personagem com um senso de humor refinado, ou seja, com graça e leveza aborda questões cruciais que rodam a espécie humana e como essa é dotada de mecanismos para não fazer outra coisa a não ser saborear e desfrutar justamente aquilo que pode lhe trazer a ruína. Seu clássico é “1984”, lançado em 1949, num período repleto de novidades, inseguranças, ameaças e temores sobre o futuro; 1984 retrata com sobriedade a sociedade do amanhã, não por acaso, nela estão contidos temas como o controle, a vigilância, o que deve e o que não deve ser dito, o poder invisível que atravessa os mares e pode ocasionar mais poder pelo simples fato de que o poder é a chave para a tirania; 1984 mais atual do que nunca é um delicioso alerta contra a servidão, às novas formas de escravidão a que nos acostumamos.

Bioeticamente, os quatro autores acima citados fazem parte de um rol de pessoas que bem ou mal nos colocaram questões que em muitas situações tornaram-se realidade que ainda hoje aí estão e muitas outras que poderão advir; muitos utópicos outros distópicos, esses e muitos outros autores antecipam que o momento presente é algo a ser pensado, ele em meio a uma confusão de ideias quase sempre divergentes, causa uma espécie de obscurantismo naqueles que o vivem. A utopia é necessária, esses e outros autores nos querem fazer crer que tais sistemas funcionariam como num passe de mágica, algo inconcebível, utopias sim, mas dentro da nossa humanidade, dos nossos contextos e valores, algo vindo da estratosfera de Saturno é impraticável aqui, nunca deu e nunca dará certo. A única certeza é de que a utopia serve para nos chacoalhar, mostrar que as nossas relações são frágeis; questão pouco ou nada abordada pelos utopistas é a crise ambiental e climática, essa sim caso não seja tratada a tempo colocará um fim aos nossos sonhos.

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, é Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR

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