Unidos somos mais fortes

Por Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla

Qualquer subterfúgio que usemos nessa hora e isso é mais comum do que nos parece, sempre estamos nos deparando com uma desordem fora de controle e ainda mais, muitos eventos antes impensados, povoam o nosso cotidiano com uma velocidade incrível, estamos tão desinteressados em tantas coisas vitais que mais parecemos sonâmbulos que caminham sem saber para onde, no mais das vezes somos cegos guiando outros tantos cegos, estamos deslocados das nossas origens, daquilo que nos fez chegar até aqui como sociedade, por mais que se tente todo e qualquer novo instrumento para debelar toda essa policrise, é simplesmente ineficaz, nossa base comum é sacudida dia após dia, quantas oportunidades a comunidade global já perdeu, prefere-se então o quanto pior melhor, isto é, a cada divisão nos fragmentamos, mais perdemos espaço para forças desconhecidas.

Um dos grandes dramas atuais é a falta de diálogo entre todos e também esse todo com a sua individualidade, de tão individuais que nos tornamos ficamos mais fracos, mais expostos às intempéries, mas isso parece nos tocar muito pouco, tanto é verdade que é muito comum expressões como: “cada um que se vire”, “você é o responsável pela sua caminhada, se ganhou ou se perdeu, o problema é todo seu”. Na era do vazio existencial, estar só consigo mesmo e toda a carga explosiva que isso representa, revela uma das faces mais perversas do nosso modelo existencial ocidental; ingenuamente pensamos que estamos num mundo de total liberdade, quando na verdade ocorre exatamente o contrário, isto é, uma minoria detém uma liberdade fora de controle, faz o quer, como quer e da maneira que quer, enquanto a grande maioria deleita-se em dormir em berços esplêndidos.

A civilização ocidental é contraditória em sua essência, nela se vislumbra de modo inequívoco a recusa em aceitar uma revisão profunda de vida, os grandes propagadores da filosofia individualista se negam a si próprios uma reavaliação de suas condutas e onde isso tudo os levou, o pragmatismo exacerbado nunca foi e nunca será capaz de mudar os acontecimentos como ele pretendia desde o princípio, o movimento de tudo e de todos é muito mais rápido do que ele imagina, as sombras que o pragmatismo tenta a todo custo esconder volta e meia ressurgem; o pragmatismo segundo muitos de seus críticos tem levado toda a sociedade a não mais pensar em si mesma como um conjunto ordenado, no pragmatismo nada anda de mãos dadas; na prática, ser pragmático é negar todo aquele cabedal de conhecimento que chegou até nós por meio das inúmeras fontes tradicionais.

De uns tempos para cá vem sendo propalada a chamada nova ordem mundial, dado que o globo tem ficado cada vez mais fragilizado e inconstante, uma comunidade altamente conectada a velocidades cada vez mais espantosas que nos faz crer que tudo está indo de vento em popa, não se trata é claro de negar alguns benefícios bem pontuais que tal conectividade apresenta, mas mostrar que ela está ligada a muitas situações que não admitem conexões de todo tipo e é justamente nessa não aceitação que poderemos criar situações que no futuro teremos que arcar sobremaneira, custe o que custar. Nunca antes na história, seja ela individual ou coletiva, abdicamos de nossos saberes e nos entregamos a outros saberes duvidosos, não muito definidos, mas isso realmente não nos tem levado a uma reflexão mais elaborada, ao contrário odiamos sim toda e qualquer contrariedade.

O tempo não para, já dizia o poeta do rock, Cazuza, ele é mais do que mestre, se deixamos ele transcorrer normalmente, notaremos que ele sempre está certo, seja para o bem, seja para o mal, ou seja, se semeamos trigo, vamos colher trigo e não maçãs, se cultivarmos a agressão desmedida para com outras formas de vida, não vamos nunca obter a paz tão desejada, se recusamos outras formas de vida, tendo elas como inferiores ou não dignas de valor, então estaremos praticando um eugenismo de proporções assustadoras, o que aliás convenhamos já é praticado quase que cotidianamente. O descompasso entre o que deveria nos fazer mais fortes e aquilo que optamos e nos deixa cada vez mais fracos é de magnitude única, muitos chegando a alegar que o irreversível já fez morada entre nós, não é exagero dizer que a nossa própria complexidade poderá aniquilar a complexidade.

Bioeticamente, o fato de caminharmos sem muitos pontos de referência, achando que assim o fazendo estamos contribuindo para uma melhor evolução da humanidade é um dos erros mais crassos e até mesmo talvez uma das maiores besteiras já fabricadas em tempos de fake News, muitos ensinam que não devemos depender de nada nem de ninguém, que basta colocar um remendo novo em roupa velha que tudo ficará bem num instante, mas não é bem o que estamos presenciando. Pensemos no que estamos fazendo com o meio ambiente em geral, seja aqui, seja acolá, nele pouco ou nada adianta um sistema de computador de última geração, a natureza precisa muito mais do que uma relação fria com a máquina, ela necessita de uma relação amigável com os seres humanos e enquanto os humanos estiverem delegando funções que competem em primeiro lugar a eles próprios isso tende a piorar a níveis críticos de sobrevivência; sejamos pois mais zelosos com a vida em geral; pequemos sim pelo excesso de zelo e não por imprudência.

 

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética e Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR.

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