Viver bem numa vida finita

O mês de novembro sempre se inicia com duas datas de enorme significado para as pessoas, sejam elas crentes ou não, ou seja, primeiro de novembro os cristãos lembram os santos e santas dos altares que passaram por este mundo e aqueles e aquelas que nós com um carinho muito especial consideramos os nossos santos e santas e no dia dois de novembro lembramos os nossos queridos entes falecidos, com eles vem o eterno debate e reflexão sobre uma realidade inevitável para todos que é a morte. Absolutamente ninguém está isento dessa ou daquela situação, por outras palavras, qualquer um de nós dentro da sua convicção religiosa pode ser santo ou santa e qualquer um que habite este belo Planeta um dia fatalmente vai se deparar com a morte; num mundo marcado pelo esquecimento rápido, essas duas realidades andam muito em baixa, quando não jogadas para escanteio.

A primeira questão: cada um de nós sabe muito bem quem são aqueles e aquelas que consideramos santos e santas, eles não precisam estar nos altares para serem venerados por nós, eles estão sim num lugar muito especial, que é o nosso coração, para muitos os entes que nos foram muito próximos não dizem absolutamente nada para o mundo, pois este tem a triste tarefa de se desfazer daquilo que não considera importante para os seus objetivos e pior ainda, que não dão mais lucro. Na sociedade que tudo descarta, aquele que deixou de produzir merece apenas e tão somente o esquecimento; o anonimato que o mundo prega não vale para os nossos santos do dia a dia, eles têm rosto, possuem uma vida, contém dentro de si valores inigualáveis, o poder que lhes é inerente é aquele de não desistir jamais, nesse quesito nosso querido e amado Brasil é sim imbatível.

O mundo contemporâneo, em suas entrelinhas deixa muito pouco espaço para uma vida cheia de sentido, a preocupação excessiva é quase sempre aquela de denegrir o outro, já o que ele faz de bem não é levado em conta, não merecendo a mínima atenção, aquele que opta por uma vida santa, independente de sua convicção religiosa, está sim declarando uma possível guerra pessoal contra todo aquele sistema que o rodeia e oprime os seus, isso é bastante comum na história universal. Os que assim o fizeram e ainda o fazem raramente estão atrelados às etiquetas sociais e às conveniências, muito ao contrário, a vida santa que levam é realizada no seu cotidiano, no silêncio, em meio às duras provas da vida; nunca saberemos com toda certeza o que move aquela pessoa na busca de santidade, sabemos que o seu exemplo impacta no meio, suas marcas ficam para sempre.

A segunda questão que atormenta o ser humano é a morte, quem não prefere esse nome podemos colocar no seu lugar a finitude da vida, um momento único na vida de cada um, mesmo com todo o avanço científico em querer afastar para todo o sempre essa “maldade”, não há escapatória, nem remédio, terapia ou qualquer outro tipo de tratamento. Muitos perderam a coragem de tratar desse tema, fogem dele como o diabo da cruz, num mundo que prega a total falta de limites para tudo, se deparar com o maior dos limites humanos é algo insuportável, aterrador; num mundo dominado pela hybris (excessos em todas as áreas), admitir que a morte chega para qualquer um e sem avisar, mostra apenas o quanto ainda não avançamos no amadurecimento de nossas convicções, por outras palavras, não conhecemos tudo, não entendemos tudo, a verdade continua longe de nós.

Para o drama da morte, Luis Felipe Pondé, com propriedade diz que “a sociedade é uma comunidade de almas que reúne os mortos, os vivos e os que ainda não nasceram”, dizemos com isso que a morte é inescapável à trajetória da aventura humana na Terra, dela todos os nossos ancestrais fizeram essa experiência, o mesmo vai acontecer com aqueles que virão, a morte abre as portas para uma imensidão de perguntas, mas quase sempre as respostas que obtemos são poucas e insuficientes, alguns com isso acabam caindo num desespero profundo; alguns “picaretas do espírito”, agindo como os antigos sofistas captam a fragilidade humana nesse momento e não medem esforços para tirar tudo dessa pessoa, algo detestável, deplorável ao extremo; não há uma última palavra para a morte, nossa ignorância perante ela, nada mais significa de que precisamos dar mais sentido para a Vida.

Bioeticamente, as duas realidades acima expostas muito brevemente questionam o mundo atual de como anda sua relação em busca de uma vida virtuosa, bem como com a finitude da vida, o que cada um faz ou deixa de fazer para ter uma existência satisfatória para si e os outros, uma vida santa mesmo que não reconhecida pela autoridade religiosa oficial é perfeitamente possível, hoje algo heroico, verdadeira luta entre Davi e Golias, diante das inúmeras distrações que fazem exatamente o contrário. Com relação à morte, podemos tirar muitas conclusões, uma delas é que se queremos morrer bem devemos viver muito melhor e do modo mais perfeito possível do que fazemos hoje, seja em relação a nós mesmos, seja para com o mundo em geral. Com a morte, um capítulo encerra-se, aos poucos o “esquecimento” saudável, toma conta de nós, sabemos por experiência que os nossos santos e santas não voltarão mais, que deles absorvemos muitas coisas boas que levamos adiante em nossas caminhadas, é o mínimo que podemos fazer por todos eles. 

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética e Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR.

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