Vulnerabilidade humana diante das fake news

Está um tanto quanto que difícil tentar entender o nosso querido e amado Brasil do ano de 2022, quanto mais buscamos sentido nas coisas normais , mais somos lançados num mar de dúvidas e incertezas, uma enxurrada de desavenças e maledicências de toda ordem que ficamos quase que sem chão e para onde seguir, tornou-se habitual nos mais diversos meios existentes lançar mão da falsidade ou se preferirmos mais apropriadamente, fazer uso constante da mentira, um tema cada vez mais amplo e complexo, haja vista a velocidade empregada nesse artifício. Com uma frequência espantosa, de uma “pulga”, faz-se um “elefante”; as mentiras hoje, sem a devida cautela e a verificação, tem tomado formas e contornos de verdade absoluta; de modo amplo e deliberado o mentir tem adentrado em todas as instituições, mente-se principalmente pela busca do poder a todo custo e preço.

Um filósofo que pode nos ajudar diante desse tema espinhoso é Immanuel Kant (1724-1804), esse homem é até hoje um dos poucos que conseguiu ter em mente toda a tradição filosófica até então conhecida, em seu rigoroso programa filosófico existem dois elementos essenciais, que por sua vez hoje dão a impressão de serem escassos, isto é, a razão e os sentidos; quando existe um, mas falta o outro, podemos ter então uma sensação totalmente oposta ao que deveríamos realmente ter, trocando em miúdos, compramos gato por lebre, isso numa linguagem comum. Kant, de modo direto para os dias de hoje, nos diz que todas as vidas humanas existentes são dotadas de moralidade e que todos sem exceção jamais podem dizer que desconhecem seus deveres para consigo mesmo, o outro ou o mundo em geral; cada um a seu modo, constrói ou desconstrói as suas realidades.

Kant, no seu rigorismo extremo defende que a pessoa deva dizer sempre a verdade, esta por sua vez deve ser posta em prática em qualquer circunstância da vida cotidiana, deste modo, a norma: “deves dizer a verdade” é em si um princípio moral objetivo, independente da situação, dos desejos particulares do agente e das consequências possíveis da sua aplicação. Isso tem trazido em seu bojo sérias situações que quando avaliadas no terreno puramente humano das relações sociais e dado que muitas pessoas são levadas a mentir por pura necessidade de obter o poder, tem causado ao longo do tempo, sérios conflitos morais. Tais conflitos quando surgem tem trazido inúmeros desdobramentos, menos para o bem e mais para o mal; hoje com o avanço comunicacional, a experiência é pródiga em nos mostrar que a mentira ou fake news rondam a tudo e todos.

Mentira: onde está o reduto da sua força? Que poder e magia tem esta palavra que pode ao mesmo tempo salvar e arrasar populações inteiras ser a causa de vida ou de morte de uma pessoa, dependendo o caso? Mentira, tão usada, tão levada a sério que até mesmo os mais esclarecidos, vez ou outra já caíram em seus encantos. Tristemente sabemos que existe toda uma aura em seus meandros, uma sedução arrasadora, que ninguém por mais certinho que seja não seja tomado em algum momento de sua existência por um impulso de vez ou outra pregar uma mentirinha no amigo, no patrão, na esposa, nos eleitores, no magistrado, em toda uma nação e por aí se vai. Nosso Planeta de uns tempos para cá é dominado por “especialistas” em mentir e do outro lado existem os consumidores desse produto dessa malévola fábrica; o mirabolante e o fantasioso atrai mais que a verdade.

Nas entrelinhas do sistema kantiano, mentir é um ato vil, uma covardia, o que há de mais baixo numa pessoa (pessoa essa que pode ser um simples cidadão ou até mesmo o governante mais poderoso da terra), aquele que acredita numa mentira (achando ser verdade) proferida por alguém (e isso ocorre centenas de vezes ao dia), poderá fazer coisas inimagináveis com base nessa mentira e quando constatar que aquilo que ouviu era mentira, será difícil, senão impossível de prever as consequências desse ato. Nesse detalhe, a liberdade de ambos, ou seja, aquele que mente e aquele que acredita, tem no fundo a sua liberdade totalmente ameaçada, quebra-se um elo da corrente, caso exista amizade entre esses, descobrindo-se a mentira como ficarão daí por diante? A civilização atual está carente de laços profundos, relações sociais banais moldadas apenas por ficção.

Bioeticamente, a mentira tem sido uma grande perversão, um elemento destruidor de muitas formas de vida, o nosso entendimento sobre as coisas, em muitos aspectos estão deteriorados, um anacronismo sem precedentes ronda nossas existências todos os dias recheadas de assuntos frívolos, levianos e banais. Mentira: antiga e hoje com múltiplas roupagens, interpelam diuturnamente as pessoas, seus propagadores e admiradores deleitam-se em propagar o caos, todos sabem como uma mentira começa, mas absolutamente ninguém sabe como ela vai terminar. Nesse ponto o Brasil de 2022, pode-se dizer com toda clareza é inundado por mentiras de todo tipo, não seria demais apontar que também o passado brasileiro é tão nebuloso, dúbio e incerto, que quando misturado ao mesmo tempo com lendas, verdades e ficções, o próprio presente, acaba se tornando assim repleto de incertezas e controvérsias, causando uma comoção de proporções inimagináveis; Kant anteviu com precisão cirúrgica o mundo que aí está, louco e maldoso.

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR

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