Em estudo, 1 a cada 4 pais diz que ansiedade afeta o sono dos filhos

Pesquisa nos EUA constatou dificuldade de crianças para dormir e uso indiscriminado de melatonina. Neurologista analisa o que pode estar por trás do problema na infância

Uma pesquisa sobre saúde infantil feita pelo Hospital C.S. Mott, nos Estados Unidos, constatou que um em cada quatro pais de crianças pequenas (de 1 a 6 anos de idade) afirma que seu filho não consegue dormir por estar preocupado ou ansioso. Mais de um terço respondeu que os pequenos não dormem a noite toda e, muitas vezes, acordam chateados ou chorando.

Essa é uma realidade por aqui também. “Relatos de ansiedade e dificuldades com o sono em crianças são um problema cada vez mais frequente no consultório”, afirma a neurologista Letícia Soster, do Grupo Médico Assistencial do Sono do Hospital Israelita Albert Einstein.

O resultado de uma noite maldormida é que, no dia seguinte, a criança normalmente acorda irritada e precisa de mais atenção. “Isso acontece com frequência. Muitos acham que é uma questão exclusiva do sono, mas não é”, observa a médica. Segundo Soster, em geral, a ansiedade na criança relacionada à dificuldade de dormir é uma questão comportamental, e não um transtorno generalizado de ansiedade.

A pesquisa nos EUA ouviu 781 pais de crianças pequenas. Os resultados mostram que a maioria (90%) relata ter uma rotina na hora de colocar os filhos para dormir. Isso inclui escovar os dentes, ler histórias, tomar banho, beber água, fazer um lanche, desligar aparelhos eletrônicos, rezar e conversar sobre o dia.

Ainda segundo os voluntários, entre os hábitos de dormir dos pequenos estão segurar um cobertor ou bicho de pelúcia, chupar chupeta ou o dedo. Quase metade diz que mantém o quarto silencioso, mas alguns colocam música suave, um vídeo ou um programa de TV. Para um quarto dos pais, o momento de levar os filhos para a cama é considerado difícil.

A importância da rotina de sono

Para Soster, estabelecer uma rotina de sono é essencial e a recomendação é que a família escolha três passos anteriores à hora de dormir. A ideia é que eles se tornem um hábito e a criança compreenda que o final dessa sequência vai levá-la ao sono. Por exemplo: depois de jantar, a criança pode tomar banho, deitar-se para ouvir uma história e, em seguida, dormir.

“A rotina não é um item isolado na promoção do sono, ela faz parte do que chamamos de higiene do sono. É a forma de falar para a criança e para o corpo dela que depois daquela sequência de três passos ela vai dormir. Essa rotina vai fazer com que exista uma habituação, uma associação, uma causa e consequência, permitindo que a criança entenda e comece a se preparar naturalmente para aquele momento”, explica a médica do Einstein.

O problema é que, conforme os autores do estudo ponderam, no período noturno, os próprios pais também estão mais cansados. E isso, muitas vezes, os impede de dar a devida atenção não só ao momento de colocar os pequenos na cama, mas de garantir o tempo de qualidade necessário no dia a dia. As crianças percebem isso. “Não existe a tranquilidade necessária para iniciar a rotina do sono, e a criança está querendo a atenção genuína do pai e da mãe. Precisamos entender o contexto de vida tanto desses pais quanto dessas crianças”, analisa Leticia Soster.

Uso indiscriminado de melatonina

A nova pesquisa mostra outro dado preocupante: 19% dos pais participantes dizem que dão melatonina aos seus filhos com frequência para ajudar no sono, e somente 15% conversaram com um médico sobre isso.

Esse “hormônio do sono”, como é conhecido, é produzido naturalmente no nosso organismo. Produzido pela glândula pineal, localizada na base do cérebro, ele é responsável por conduzir o ciclo circadiano, que regula os períodos de vigília (em que estamos acordados) e os de sono.

Nos últimos anos, a suplementação de melatonina se tornou comum em diversos países, incluindo o Brasil. Mas, segundo Soster, a deficiência desse hormônio na infância não é algo comum, que justifique o uso abusivo e indiscriminado que se tem visto. Na visão da neurologista, os pais dão esse suplemento por conta própria porque querem que o filho durma melhor, sem que ele tenha um problema, de fato.

Entre as condições relacionadas à menor produção de melatonina nessa idade estão tumores no cérebro ou síndromes genéticas que invertem o pico de liberação da substância. “Essas situações são raras e se associam a alterações genéticas que de fato causam deficiência de melatonina”, explica a neurologista. “Mas o que vemos hoje em dia é que as pessoas a usam a qualquer momento, porque querem que o sono do filho seja ‘saudável’. A melatonina não vai resolver uma questão comportamental.”

A importância do sono

O tempo de sono necessário para uma criança é muito maior do para um adulto – até os 6 anos de idade, na chamada primeira infância, elas passam mais da metade da vida dormindo. Esse tempo é essencial para o crescimento e o desenvolvimento delas, pois muitos processos psíquicos se consolidam no período noturno e se manifestam durante o dia.

“Uma criança com sono ou com noites maldormidas não fica sonolenta como o adulto, ela fica irritada. Se não dormir bem, ela vai crescer uma pessoa irritada e começar a se enxergar assim, pois a criança está no período de reconhecimento da própria personalidade, da construção de quem ela é”, pontua Letícia Soster.

Outro fato é que, na infância, dois terços do GH (hormônio do crescimento) são liberados na primeira metade do sono e é esse hormônio que faz a criança ganhar estatura. É também durante a noite que acontecem as modulações das atividades cardíacas, o controle da saúde metabólica, a consolidação da memória e do que se aprendeu durante dia, além do desenvolvimento neurológico, entre outras coisas.

“A criança precisa do sono para se desenvolver. E não são apenas os aspectos físicos e orgânicos, mas psicológicos, sociais e ambientais. Tudo faz parte de um ciclo de interações que não tem apenas uma causa e um efeito”, destaca a neurologista.

Além de identificar o que está por trás da dificuldade dos pequenos de dormir, é importante se atentar à rotina como um todo da criança. “Precisamos desligar as telas muito antes [da hora de dormir], ter um final de dia mais relaxante, acordar de manhã e nos expor ao sol. E uma série de coisas que devem ser feitas nas 24 horas do dia para termos uma boa noite de sono”, orienta Soster.

Fonte: Agência Einstein

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