Quando a fé escreve e eterniza memórias

Jozieli Cardenal Suttili

Em 25 de julho de 1950, Inácio Berri foi ordenado sacerdote, na cidade de Petrópolis, Rio de Janeiro, passando a ser, a partir daquele dia, o “Frei Policarpo Berri” que viríamos a conhecer. Um ano e meio depois da ordenação, ele foi transferido para Niterói (RJ), onde permaneceu por quatro anos. Em janeiro de 1956, chegou a Pato Branco, cidade que acolheu e escolheu como lar.

São 70 anos de sacerdócio, 64 deles dedicados a Pato Branco. Eis a demonstração mais fiel de que a fé escreve e eterniza lembranças, dá espaço aos sonhadores e constrói novas realidades. “Quando cheguei aqui, a cidade era pequena, todas as casas eram de madeira, não havia calçamento e, quando chovia, tinha muita lama. Quando o tempo estava bom, era poeira, nuvens de poeira com o vento e caminhões”, narra ele, bom contador de histórias que é, preservando os detalhes como se estivesse diante das próprias recordações.

“Eu já dormi dentro da praça Presidente Vargas”, revela Policarpo, sorrindo. Isso porque, quando chegou ao município, a Casa Canônica [Casa Paroquial] situava-se dentro da praça central. “O Francisco Gutierrez Beltrão e também o Duílio Beltrão, tinham dinheiro e fizeram a planta da cidade. Eles desenharam a Praça, que até hoje tem a forma de um triângulo – a ponta mais estreita, voltada para a região Sul, era de propriedade da Igreja, a Mitra Diocesana de Palmas é que tinha a escritura. Essa parte estava cercada, primeiro nela havia uma horta e, depois, a Casa Paroquial”, conta Policarpo.

Vale frisar, aqui, para contextualizar o leitor, que o primeiro traçado viário de Pato Branco foi assinado por Duílio Trevisani Beltrão, filho de Francisco Gutierrez Beltrão – os engenheiros foram contratados para realizarem a medição das terras de cidades da região, que seriam comercializadas pelo Estado. Por isso, “tinham dinheiro”, como aponta Policarpo, pois estes recursos eram estaduais.

Engana-se quem acredita que as memórias de Policarpo (bom título este para um livro, aliás) resumem-se apenas ao período em que ele passou a viver na cidade. Ele preserva fatos, datas e histórias locais anteriores a sua chegada, como a construção da primeira capela.

“Em 1930, foi construída a primeira capela que ficava na rua Tapir com a avenida Tupi. Essa primeira igreja ganhou o nome de São Pedro, porque quatro Pedros a dirigiam: Pedro José da Silva, Pedro Aires de Mello, Pedro Antônio Soares e Pedro José Vieira. E, também, havia muitos outros Pedros, como Pedro Bortot, Pedro Tatto e Pedro Dallacosta e assim por diante, que não necessariamente eram da comissão da igreja – muitos Pedros! Aquela igreja durou cinco anos, pois, depois, Duílio Beltrão e Francisco Gutierrez Beltrão resolveram fazer a nova igreja, no centro da cidadezinha”.

Em 1937, foi inaugurada a segunda igreja de Pato Branco, onde hoje está situado o chafariz da Praça Presidente Vargas. A estrutura de madeira recebeu muitos casamentos, batizados e momentos importantes da cidade que, naquele momento, ainda ensaiava as primeiras páginas de sua história.

“O governador Bento Munhoz da Rocha, que era muito amigo de Pato Branco, mandou pintar essa igreja. Dentro dela, a pintura era muito bonita! Naquela época, o Frei Honorato, que era o pároco, o Frei Inocêncio e eu, rezávamos a missa em Latim”, recorda.

Foi assim que Policarpo assistiu, literalmente de camarote, os principais acontecimentos desencadeados na Praça Presidente Vargas – espaço público que, inicialmente, recebeu o nome de Praça Brasil. Um dos momentos mais emblemáticos foi a mobilização dos colonos durante o levante da Revolta dos Posseiros, em outubro de 1957, que tomaram a Praça naquela ocasião, provocados pelo então radialista Ivo Thomazoni. Isso porque a Rádio Colmeia – antigo nome da Rádio Celinauta – situava-se no entorno, na rua Iguaçu.

“A concentração daquela Revolta foi grande aqui na Praça. Porque, ao lado de onde estava o Bar do Cantu, tinha o Ferreira, com a Livraria embaixo e a Rádio em cima. O Ivo Thomazoni comandou tudo ali, era num prédio de madeira. Os colonos todos armados em frente à Igreja, pertinho da rádio – tudo estava cercado e se organizou toda a campanha, eram três dias né, 10, 11 e 12 de outubro de 1957. Eu estava sempre por aqui, o único padre que estava em casa, os outros padres estavam nas capelas. Então, veio o pessoal do Rio de Janeiro, de avião, a Globo, a Revista O Cruzeiro, fazendo entrevistas e assim por diante. Saiu em todos os jornais do Brasil e até em um da Alemanha. Tudo isso foi organizado aqui, na Praça Presidente Vargas”.

 “E assim a Praça foi evoluindo, devagarinho, tinha muita grama e o povo gostava de fazer festinhas aqui também”.

“Quando Frei Honorato chegou aqui, em Pato Branco, era o segundo pároco, ele comprou terrenos onde hoje é o Palácio dos Arcos, ao lado do edifício Severino Cavazzola. Ali havia três lotes grandes, onde foi construído um pavilhão para missa, para mil pessoas, e outros dois pavilhões de dois andares, para festas. Durante todo o tempo de construção da Matriz São Pedro Apóstolo, as festas de São Pedro foram realizadas nesses pavilhões, que ficavam na rua Pedro Ramires de Mello”, conta Policarpo.

A partir de decisões diretamente ligadas à Igreja Católica, o Centro de Pato Branco passou a receber elementos-chave que, hoje, traduzem a essência e a dinâmica da cidade. “O Frei Corbiniano, que foi o primeiro pároco, comprou a área onde hoje é o grupo escolar Agostinho Pereira, para fazer a igreja. Ele também comprou uma quadra inteira para as Irmãs São Vicente de Paulo, para construção do Colégio Nossa Senhora das Graças”, rememora Policarpo. Segundo ele, “o povo do Centro da cidade não queria que a igreja fosse feita lá”.

“Os comerciantes daqui fizeram uma churrascada para o Bispo da Diocese de Palmas, Dom Carlos [Eduardo Sabóia Bandeira de Mello], e pediram para ele não fazer a igreja lá, aí ele proibiu que fizessem naquele local. Então, a única solução, foi construir dentro da Praça, o que foi difícil, pois a Praça era um triângulo e, para fazer a Casa Paroquial e a Igreja, não tinha tanto espaço quanto no terreno anterior”.

Foi quando Frei Honorato Brüggemann trocou a quadra onde hoje situam-se a Receita Federal, a Câmara de Vereadores e o Colégio Agostinho Pereira pela área onde a Matriz foi edificada. “Ele trocou uma quadra enorme por meia quadra. Foi entregue à Igreja esse pedaço onde foi feita a capela, a nova Casa Canônica e a Matriz, inaugurada em 1965”, conta.

Outro momento que convida todo pato-branquense a rememorar a história da cidade é a nevasca de 21 de agosto de 1965. Lembranças que comovem especialmente aqueles que adotaram o município e nele construíram laços sólidos de afeto, como fez Policarpo.

“Em 29 de junho de 1965, foi inaugurada a Igreja São Pedro Apóstolo e, em 21 de agosto daquele ano, veio a neve. Era muito grande, com dois metros de altura em alguns lugares. Fizeram muitos bonecos de neve aqui na Praça, a noiva, o pato… eu tenho uma coleção muito grande dessas fotografias. Tenho uma recordação muito bonita daquele dia, pois foi um dia muito especial, a cidade toda veio para a Praça. Era justamente um sábado! Tinha 12 casamentos naquele dia, naquele frio danado. Em um deles, o noivo não apareceu, por isso fizeram o boneco de neve da noiva”, conta, distribuindo risos e bom humor.

“Desde que cheguei a Pato Branco, sempre me senti bem vendo o progresso da cidade e tudo de bom que acontece aqui”.

Ter a oportunidade de ver e ouvir Policarpo rememorando a história que ajudou a escrever, é uma dádiva. Cada palavra é desenhada com a singela nostalgia digna daqueles que passeiam pelo passado com ternura. Ele jamais dirá, em primeira pessoa, que foi autor deste ou daquele feito. Humilde, compreendeu, desde muito cedo, que tem uma bonita e valorosa missão. Reconhecê-la e honrá-la, é dever de Pato Branco.


Crédito: Zeca Bett
você pode gostar também
Deixe uma resposta