Estudo da UFMG analisou dados de quase 13 mil pessoas; resultados apontam que somente 10,5% dos participantes estão com a saúde cardiovascular considerada ótima.
Pessoas que estão satisfeitas com a vida têm mais chances de manter a saúde do coração em dia, enquanto ter um baixo nível de satisfação está associado ao maior risco de mortalidade precoce por qualquer causa. A conclusão é de uma pesquisa realizada na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que analisou dados de quase 13 mil participantes do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA Brasil), que monitora há 15 anos a incidência e a progressão de doenças crônicas não transmissíveis (como diabetes e hipertensão) em servidores públicos de instituições de ensino de seis capitais do Brasil.
Aline Eliane dos Santos, doutoranda em Saúde Pública na UFMG e autora da pesquisa, analisou os dados das visitas do ELSA realizadas entre 2012 e 2014. Na ocasião, pela primeira vez, foram coletadas informações sobre os níveis de satisfação com a vida, os quais foram analisados por meio da Escala de Satisfação com a Vida (SWLS), que varia de 5 a 35 pontos. Dentro de todo o grupo, a pontuação média foi de 26,7.
A escala apresenta cinco afirmativas, para as quais as respostas variam de 1 (“discordo totalmente”) a 7 (“concordo totalmente”). Entre as afirmativas, estão: “As condições da minha vida são excelentes”; “Estou satisfeito com a minha vida”; e “Se pudesse viver a minha vida outra vez, não mudaria nada”.
Assim, o participante responde em uma escala de 1 a 7, e ao final, a pontuação total de satisfação com a vida varia de 5 a 35; quanto maior o número, maior a satisfação. “De todos os instrumentos que foram criados até hoje, essa é a escala mais utilizada. Está muito bem validada em vários estudos porque consegue captar essa satisfação com a vida”, disse a autora.
Segundo Santos, o conceito de satisfação com a vida é algo muito individual, uma vez que engloba uma avaliação global que o indivíduo faz de todos os domínios de sua própria vida, incluindo questões como família, trabalho, saúde, renda e outros fatores.
“É uma avaliação bastante subjetiva porque a pessoa analisa a vida com base em metas que ela mesma estabeleceu. Cada um tem a sua própria meta e é cada pessoa define se tudo aquilo que ela propôs como meta está sendo alcançado”, explica a pesquisadora.
E o coração?
A saúde cardiovascular dos participantes do ELSA foi avaliada pelo Índice de Saúde Cardiovascular Ideal, proposto pela American Heart Association (AHA) em 2010. Segundo Santos, esse índice é composto por sete itens divididos em dois subescores: fatores comportamentais e fatores biológicos. Os fatores biológicos levam em consideração medidas como glicemia de jejum, pressão sanguínea e colesterol total. Já os fatores comportamentais avaliam aspectos como prática de atividade física, alimentação saudável, ausência de tabagismo e índice de massa corporal (IMC).
O escore varia de 0 a 7 pontos e não avalia o risco, mas sim a saúde cardiovascular. De acordo com a autora da pesquisa, esse mecanismo foi pensado para ser utilizado como prevenção primordial, ou seja, analisar o indivíduo saudável e determinar como mantê-lo saudável: “por exemplo, o índice avalia se a pessoa possui glicemia normal sem o uso de medicamentos e busca estratégias para manter essa condição. Isso difere da prevenção primária, que ocorre quando o paciente já apresenta fatores de risco, e o objetivo é evitar que esses fatores evoluam para a doença”, explicou Santos.
A pesquisadora categorizou a pontuação em três níveis: baixa saúde cardiovascular (para pontuações de 0 a 2); intermediária (pontuações de 3 a 4) e ótima (pontuação de 5 a 7). O estudo apontou que somente 10,5% dos participantes alcançaram a pontuação que indica saúde cardiovascular ótima, enquanto 42% atingiram a pontuação intermediária e 47,5% dos participantes foram classificados como tendo baixa saúde cardiovascular.
“Avaliamos a associação entre a satisfação com a vida e a classificação da saúde cardiovascular e observamos que a cada aumento na pontuação da satisfação com a vida, aumentava a chance de o indivíduo ter uma saúde cardiovascular intermediária ou ótima”, afirmou.
Quais as possíveis explicações?
Segundo a pesquisadora, existem duas possíveis explicações possíveis para esses achados. A primeira é biológica, em que a pessoa com maior nível de satisfação com a vida é uma pessoa que tem um amortecimento dos efeitos deletérios do estresse do dia a dia porque consegue lidar melhor com situações que vão levar a uma cascata de efeitos biológicos deletérios, como por exemplo, maior produção de cortisol e de fatores inflamatórios.
Uma outra explicação seria que uma pessoa que tem níveis maiores de satisfação com a vida tem uma motivação maior para aderir a comportamentos saudáveis – vai cuidar mais da alimentação, vai praticar mais atividade física, terá menores níveis de tabagismo, entre outros.
Mortalidade também sofre impacto
Quando a satisfação com a vida for muito baixa também há um risco aumentado de morte por todas as causas. “As pessoas insatisfeitas vão morrer mais precocemente”, disse Santos.
Na avaliação do cardiologista Marcelo Katz, do Hospital Israelita Albert Einstein e pesquisador na área de ciência comportamental e engajamento do paciente, esse trabalho realizado pela UFMG é fundamental porque retrata a realidade brasileira e mostra como os pacientes realmente têm uma oportunidade de prevenção e não estão seguindo aquilo que é recomendado.
“O trabalho mostra que somente 10% dos participantes têm a saúde cardiovascular em nível ótimo. Isso demonstra que temos uma população enorme que precisa melhorar a saúde. Esse estudo também agrega conhecimento na área de saúde mental e saúde cardiovascular e na importância de entender esta relação. Uma parcela desses pacientes pode ter uma questão de saúde mental que reflete numa insatisfação com a vida e, muitas vezes, pode ter um diagnóstico psiquiátrico de base”, afirmou o cardiologista.
De acordo com Katz, já faz algum tempo que as evidências científicas têm demonstrado que além dos fatores de risco tradicionais para as doenças cardiovasculares, outros fatores (chamados psicossociais) começaram a demonstrar o seu impacto como associados a maior risco cardiovascular.
“Já se conheciam os clássicos ansiedade e depressão, mas depois vieram outros aspectos que permeiam essas questões. Hoje se sabe por exemplo que pessoas ansiosas, com depressão, com pensamentos negativos, pessimistas, que não têm propósito de vida, têm maior risco cardiovascular. Pessoas mais rancorosas, com mais dificuldade em perdoar, pessoas que não são satisfeitas, que não são felizes, também têm maior risco. Esse estudo brasileiro vai em linha com o que vem sendo demonstrado nos últimos anos em estudos internacionais”, afirmou.
Katz ressalta que é fundamental que as pessoas estejam satisfeitas com sua própria vida para galgarem uma melhor saúde cardiovascular. Ele explica que isso não é imposto, é uma busca constante em torno de mais cuidados com a saúde mental, com o estilo de vida, com o cumprimento de uma vida mais saudável. “Não dá para o médico prescrever para o paciente que ele precisa estar satisfeito com a vida. A gente tem que ajudá-lo a construir uma vida mais saudável e isso gerar, consequentemente, uma maior satisfação. Temos que entender por que esse paciente não está satisfeito e o que pode ser feito para construir esse caminho mais saudável”, disse.
Para isso, diz Katz, o paciente precisa “seguir a cartilha corretamente”. “Se todas as pessoas seguissem tudo o que é recomendado do ponto de vista de controle de fatores de risco, as pessoas reduziriam de 80% a 90% o risco de ter um evento cardiovascular. Seguir a cartilha requer um bom engajamento em saúde, um estilo de vida saudável. Isso dá um certo trabalho, mas é um trabalho que tem um resultado fantástico, que é a melhora do prognóstico desse paciente”, finalizou.
Fonte: Agência Einstein
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