Ahmad tem ido ao aeroporto todos os dias desde domingo, na esperança de conseguir deixar o país. Ontem, segundo ela, poucas mulheres estavam no aeroporto. Veículos escoltados pelo Taleban levavam pessoas para dentro do local e forças de segurança dispararam várias vezes nas proximidades. “Ainda não consigo acreditar. É como um sonho. Estou em estado de negação”, contou a estudante. “Minha mãe sempre falava sobre o Taleban e aquilo me deixava em choque.”
Quando tomou o poder pela primeira vez, em 1996, o Taleban governou o país sob uma rígida interpretação da sharia, a lei islâmica. Mulheres foram proibidas de estudar, trabalhar e só podiam sair de casa acompanhadas de parentes homens. Se acusadas de adultério, eram apedrejadas.
Em uma tentativa de se distanciar de sua própria história, um porta-voz do grupo disse nesta semana à agência Reuters que mulheres poderão sair de casa sozinhas e terão acesso à educação e ao trabalho. Outras declarações, no entanto, indicam que o regime não será moderado: elas serão obrigadas a usar niqab e a aplicação de punições como chicotadas e apedrejamento será decidida por tribunais.
Como milhares de mulheres afegãs, Aisha teme perder seus direitos. “A primeira coisa que pensei, quando o Taleban assumiu, foi na minha universidade. Eu vou poder ir de novo? Vou poder terminar meu curso? Com base no que vi na TV, sim. Mas como faria isso, eu não tenho a menor ideia.”
Aisha conta que, em algumas províncias, mulheres foram impedidas de comparecer ao trabalho. “Não sabemos se isso é temporário”, disse. “Não acredito no que o Taleban diz (sobre respeitar os direitos das mulheres). Eles precisam agir e provar.”
Até ontem, os EUA e outros países operavam voos militares para retirar soldados e civis do país. Embora tenha se comprometido com os americanos a permitir “passagem segura” a civis que desejam deixar o país, o Taleban ergueu postos de controle em toda a capital e perto da entrada do aeroporto, espancando alguns afegãos que tentavam cruzar e intimidando outros, segundo o Washington Post.
Em entrevista coletiva, a vice-secretária de Estado dos EUA, Wendy Sherman, disse que o grupo insurgente parecia estar trabalhando para atrapalhar os esforços americanos. Ela afirmou que autoridades americanas estavam contatando os insurgentes para pressioná-los.
O aeroporto da capital foi tomado pelo caos ainda no domingo, quando milhares se deslocaram para lá. “Uma amiga me ligou dos EUA e disse que eles estavam pegando pessoas no aeroporto com aviões militares. Eu não acreditei, mas então recebi outra ligação que confirmou o que ela disse”, conta Aisha. No caminho para o aeroporto, disse, tudo parecia calmo, “exceto por alguns sons de tiros”. “A maioria das lojas estava fechada, as pessoas estavam olhando para os lados, curiosas com a situação.” Uma vez no aeroporto, no entanto, o cenário mudou. “Era como se fosse o juízo final. Havia milhares de pessoas, algumas no chão, outras fugindo. Crianças, jovens, velhos sem passaportes tentavam passar pela segurança. A polícia empurrava a multidão para trás, pessoas se machucaram”, conta Ahmad, que feriu os pés, mãos e joelhos na confusão. “Em um momento, senti que aquele era o fim e que eu ia morrer.”
Aisha afirma que, no Afeganistão, ninguém se arrisca a prever o futuro. “Eu perdi minha esperança, e acho que não será um caminho fácil para as mulheres afegãs”, disse. “Eu sinto que não está completamente escuro, mas também não consigo ver nenhuma luz brilhante. E eu não sei quão longo é o túnel.”
Ela acredita que mulheres jovens serão as mais afetadas pelo novo regime e cobra ação das autoridades. “Não consigo respirar”, afirmou, em referência à frase que marcou o movimento Black Lives Matter. “Ninguém ouviu minha voz – os líderes mundiais estão falando sobre as mulheres afegãs, mas onde está a ação?”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Comentários estão fechados.