Nem passado, nem futuro: pensemos no presente

Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla

A “alta” cultura ocidental sempre primou pelas viagens sempre mais intermitentes, ligar as luzes, o show sempre devendo continuar, até porque assim os velhos fantasmas estariam devidamente isolados, muitos naquelas suas mal traçadas garatujas, quase sempre nos disseram que preocupar-se com o futuro era coisa de quem não tinha o que fazer na vida, o mundo está indo bem, temos sempre mais e melhor, aqui e agora, quem os questionava era tachado de louco, subversivo, o tal pária da sociedade.  Num repente as coisas mudam, o imprevisível, o impensável acontece, na hora em que se parecia termos as luzes mais brilhantes de todos os tempos, ficamos envoltos numa quase completa escuridão, a vida “boa” que muitos conheciam foi embora sem mais nem menos, todo e qualquer orgulho ou até mesmo os mais arraigados preconceitos, deram vazão aos medos.

Todas aquelas armaduras que nos venderam, todos os super-heróis de Hollywood que povoam o imaginário comum, todos os elixires da vida abundante, desenfreada, o mundo forjado apenas em quimeras, ou se preferirmos usar a palavra utopia, tudo isso e muito mais acabaram na rua da amargura, todos os sistemas de governo produziram as suas utopias, todos os seus mais ferrenhos apoiadores viram seus impérios desmoronarem, o resultado não podia ser outro; por outras palavras: a casa que construíram estava fraca de alicerces. Os equívocos inescapáveis a que todos estão sujeitos nos mostram o quanto ainda o ser humano precisa se redefinir em todas as dimensões, o festival avassalador de incertezas nos últimos anos no mercado planetário, o uso constante de máscaras para nos preservar de um mundo doente, foram agora incapazes de nos curar da verdadeira doença.

Em sua obra monumental “Elogio da Loucura”, Erasmo de Roterdã (1.466-1536), dentre tantas passagens, se referiu de modo particular, sarcástico e irônico ao ser humano: “Se, finalmente, pudésseis observar, do mundo da lua, como fez Menipo, as inúmeras agitações dos mortais, decerto acreditaríeis estar vendo uma densa nuvem de moscas ou de pernilongos brigando, insidiando-se, guerreando-se, invejando-se, espoliando-se, fornicando-se, nascendo, envelhecendo, morrendo. Não podeis sequer imaginar os horrores e as revoluções com que enche a Terra esse animalzinho, tão pequeno e de tão pouca duração, que vulgarmente se chama homem”. Erasmo, no ápice da sua clarividência, mostrou para todo o sempre a quase completa inautenticidade do ser frente às questões vitais com as quais ele se defronta; assim o foi, assim o é, se será no futuro não sabemos.

Séculos depois, com nova roupagem, a voz centenária de Edgard Morin, o filósofo da complexidade, testemunha viva de tantos encontros e desencontros do ser humano com aquilo que lhe é mais caro; em seu último livro recém lançado, Morin, diante da situação atual nos diz:: “Uma das grandes lições da minha vida é deixar de acreditar na perenidade do presente, na continuidade do devir, na previsibilidade do futuro, os desastres (e a pandemia da Covid é um deles) dão origem a dois comportamentos contrários: o altruísmo e o egoísmo”. A crise viral, escancarou todas as formas de animalidade do humano, aquilo que era realizado atrás de portas fechadas à sete chaves, ficou agora evidente para crentes e não crentes; todas as medidas que os senhores da guerra tomaram, colocou o mundo de cabeça para baixo e se assim continuar, o futuro de todos nós, poderá estar sim ameaçado.

Mais próximo de nós, herdeiro de toda uma tradição filosófica, teológica e também humana, Van Rensselaer Potter (1.911-2.001), um dos pais da bioética, em praticamente todos os seus escritos nos alerta de que ao se manipular a vida em demasia, mais cedo ou mais tarde as consequências apareceriam para todos, quer sejam partícipes ativos ou não; o mundo com as suas políticas exageradas, onde contempla uma completa imoderação não pode dar certo, por outras palavras, o antropoceno forjado a ferro e fogo tem nos conduzido para um afastamento cada vez maior daquilo que nos faz mais próximos como humanidade. Sinais não nos tem faltado de que a sociedade está muito longe do ideal que um dia se propôs; toda aquela supremacia humana prometida pelos iluministas frente à realidade, não se concretizou; o ser continua sabendo pouco do todo e tudo de quase nada.

Bioeticamente, construir um amanhã melhor passa indiscutivelmente pelas mãos de todos e para isso nada melhor do que pensar, repensar e agir sobre o que obviamente não deu certo em termos de sociedade, são muitos os pontos negativos no momento presente, todos eles intimamente conectados, tais como: a crise sanitária global, as diversas questões sociais, um comércio internacional majoritariamente desleal, o setor financeiro imoral, o crescimento infinito que não se sustenta, o Brasil com seus praticamente quinze milhões de desempregados e por aí se vai. Todas essas questões e muitas outras quando atuando em conjunto como agora no presente são capazes de drenar toda e qualquer esperança humana; embora seja para muitos, difícil de se entender, é exatamente no caos que pode estar a salvação, uma mudança de rumo significativa em todos os setores humanos deverá ser efetivada se realmente queremos sobreviver como espécie, as crises vêm e vão, fazem parte da humanidade, pensemos positivo de que oportunidades para mudar não nos faltam.

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética pela PUCPR, Especialista em Filosofia pela PUC-PR;

Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR

você pode gostar também
Deixe uma resposta