A escritora, que já viveu em Roma e Berlim e se mudou para Lisboa em busca do sol e do Atlântico, que também banha Acra e Boston, onde passou a infância, continua: “Eu cresci num mundo de imigrantes da diáspora africana do qual os pais estavam frequentemente ausentes. Da infância à vida adulta, eu carreguei questões como: O que aconteceu com esses homens? O que os machucou tanto? O que levou não apenas à sua ausência, mas ao seu silêncio? O que feriu os pais: esta talvez seja a primeira questão. E muitas outras seguiram. Como é ser uma mãe? Um irmão? Um gêmeo? Como explicamos, sobretudo para nós mesmos, o fato desconcertante da atração instantânea? O que acontece com um homem que não sabe, ou que não vê, como ele é profundamente amado? O quão bonito deve ser saber que somos amados, verdadeiramente amados, antes de morrermos?”.
Selasi, que trabalha com televisão, diz que tem muito o que dizer quando o assunto é raça, imigração ou classe social – e que o faz em seus ensaios, artigos e TED Talks. “A ficção é o único gênero em que me liberto de qualquer obrigação política ou sociológica. É onde vou para explorar o que significa ser humano”, ela finaliza.
NARRATIVAS. Reino Transcendente é um romance menos complexo do que Adeus, Gana em termos de narrativa e personagens. A história também vai e volta no tempo, mas é narrada por uma única pessoa, ao contrário do livro de Taiye, que traz vários olhares para uma mesma história familiar. Aqui, Gifty é uma cientista desamparada e obstinada, que também carrega marcas de uma infância difícil.
Yaa Gyasi estreou na literatura com O Caminho de Casa, uma história sobre escravidão. Agora, ela mergulha na questão do imigrante, que ela conhece bem, e da religião, idem. “Reino Transcendente é um romance íntimo. Ele me permitiu pensar nas reviravoltas da imigração, particularmente a especificidade de se mudar para uma cidade onde há poucos imigrantes como você”, conta a autora que cresceu em Huntsville, no Alabama, onde a história de Gifty também começa.
SOLIDÃO. “Meus dois romances são muito pessoais no sentido de que são livros que eu gostaria de ter lido quando era garota e me sentia desamparada. Significa muito, para mim, escrevê-los agora que sou adulta. É, de certa forma, a cura para a solidão.” Gyasi diz ainda que espera poder escrever sempre “histórias sobre negritude, imigrantes e sobre se sentir em um entrelugar”.
Ao contar o drama desta família, a escritora se volta a uma questão urgente: o cuidado com a saúde, a mental sobretudo, de pessoas pobres. Nana nunca se recuperou do abandono do pai e se vicia durante um tratamento que deveria devolvê-lo ao caminho para o futuro brilhante que ele teria. A mãe, em profunda depressão, rejeita qualquer tratamento psicológico ou psiquiátrico, porque Deus a ajudará, ela pensa – e não há ninguém olhando para isso.
“Eu queria mesmo levantar essas questões. A crise dos opioides, aqui nos Estados Unidos, é atroz. 93 mil pessoas morreram em 2020 apenas por overdose de droga. É um problema de saúde pública num país que tem uma infraestrutura de saúde precária e praticamente nenhum serviço social. Pessoas pobres, negras e os imigrantes são deixados de lado. A vida das pessoas está em jogo, e o que é um romance se não uma tentativa de descrever o que significa estar vivo?”, comenta.
Gifty, a protagonista, sobreviveu a uma infância turbulenta e nos conta essa história no fim de seu doutorado, em Stanford. Ela seguiu adiante, com sucesso acadêmico e tropeços no campo do afeto. E ela escreve – para tentar se organizar e se entender como pessoa. No fim das contas, é por meio da fala e do compartilhamento que a “cura” começa? “Escrever é, para mim, criar ordem e tentar dar forma a coisas que parecem disformes. É uma experiência profundamente comovente e acho que também promove a cura. Penso que conversar e compartilhar abrem espaço para o tipo de vulnerabilidade que permite a cura. É um começo”, ela responde. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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