Brasil Über Alles!

Paulo Argollo

Hoje eu não vim aqui para contar nenhum episódio histórico curioso, interessante ou engraçado. Hoje eu estou aqui somente para trazer alguns fatos que a gente pode juntar para tirar algumas conclusões. Por coincidência, ou não, alguns desses fatos, ainda que superficialmente, já passaram por este espaço em alguns dos meus textos. Você talvez já imagine que eu vou falar sobre as polêmicas que rolaram ao longo desta semana envolvendo a defesa da legalização do partido nazista no país por parte de um youtuber e um deputado e, em seguida, a demissão de um jornalista de uma rádio famosa. Pois bem, vamos aos fatos.

Entre 1928 e 1938, funcionou no Brasil a maior filial do partido nazista fora da Alemanha. Apesar de restarem muito poucos registros, o partido nazista no Brasil foi bem atuante. Divididos entre 17 estados do país, o partido manteve 57 núcleos ativos, com um total de 3 mil filiados.

Teoricamente, a atuação de um partido totalmente estrangeiro, que produzia material gráfico, publicações periódicas, tudo em alemão, não seria vista com bons olhos pelo governo brasileiro. Mas acontece que, com a tomada do poder por Getúlio Vargas depois do golpe de 1930, o partido nazista contava com certa simpatia de Vargas, e sua atuação era mais que tolerada. O partido só caiu na clandestinidade mesmo, e acabou sendo extinto, em 1938. Isso porque em 1937 Vargas dá mais um golpe e instaura a ditadura que ficou conhecida como Estado Novo. Para reprimir a atuação e organização de comunistas, visando eliminar a ANL (Aliança Nacional Libertadora), o governo colocou em vigor a Lei de Segurança Nacional, que colocava todos os partidos políticos na ilegalidade. Ou seja, ou você era varguista, ou ia pra prisão.

Os conceitos ideológicos do partido nazista são impregnados de preconceito, autoritarismo e violência. Com a disseminação de tais ideais por aqui, formou-se o que alguns acadêmicos chamam de nazismo tropical, ou seja, os conceitos nazistas foram adaptados para a realidade do brasileiro. Uma dessas mudanças, talvez a principal delas, é que o antissemitismo perdeu o protagonismo. No lugar dele, o alvo principal passou a ser negros e mestiços.

Mesmo depois de o partido ser oficialmente extinto, muitas dessas ideias se mantiveram e foram passadas adiante. Décadas depois da extinção do partido, nos anos 80, houve, no mundo todo, um levante de vários grupos neonazistas. Agora não eram mais organizações políticas, mas sim grupos de homens, jovens, brancos, racistas, homofóbicos, misóginos, ostentando suásticas e outros símbolos, com especial predileção por impor suas crenças na base da violência.

No Brasil não foi diferente. Em especial nos estados de Santa Catarina e São Paulo, vários desses grupos apareceram. Na década de 90, as atividades desses grupos diminuíram muito, já que a mídia passou a fazer denúncias. No começo do século XXI, a internet se popularizou. À medida que o acesso ficava mais fácil e rápido, com redes sociais aparecendo, essa turma cheia de ideias erradas encontrou o meio ideal de voltar a ser atuante, espalhar seu ódio e arrebanhar novos membros, se fazendo valer do anonimato criando perfis falsos. E a coisa funcionou muito bem.

Agora vamos olhar para alguns séculos atrás. O Brasil foi colonizado por homens rudes, que buscavam riquezas e não tinham compaixão nenhuma. Eram homens corruptos. A cidade de Salvador, a primeira capital do Brasil, foi fundada em 1549, e sua construção, projeto urbanístico e etc, foi todo superfaturado. Enquanto isso, no Sudeste, degredados e desertores dos navios se estabeleciam entre os nativos e se tornariam os famigerados bandeirantes, homens cruéis que caçavam índios para escravizar e vender e buscavam pedras preciosas a qualquer custo.

Logo após o início da colonização portuguesa se estabelecer, já começaram a chegar os primeiros navios abarrotados de negros africanos escravizados para trabalhar por aqui. O Brasil foi o país que mais recebeu escravizados da África em todo o mundo, foram mais de 5 milhões de negros! O Brasil foi o último país relevante do mundo a abolir a escravidão, em 1888, e mesmo assim uma abolição injusta, infame, onde os negros livres não recebiam nenhum apoio do governo enquanto os fazendeiros recebiam dinheiro por conta do “incômodo” de tirar-lhes seus trabalhadores. E, mesmo assim, grande parte da população, endinheirada, claro, foi veemente contra a abolição dos escravos.

Voltamos para os dias atuais. Em 1998, um grupo de estudantes do Colégio Militar de Porto Alegre (RS) foi muito criticado e ganhou repercussão depois de, num trabalho, escolherem Adolf Hitler como personagem histórico que mais admiravam. O único político que foi em defesa desses jovens foi um parlamentar carioca. Desde 2004 circulam entre sites neonazistas banners de propaganda eleitoral de Jair Bolsonaro, e em um desses sites está publicada uma carta do próprio político em agradecimento pelo apoio. Em janeiro de 2020, o secretário de cultura do governo atual, Roberto Alvim, publicou um vídeo com trilha sonora de Wagner, fazendo um discurso que parafraseava um discurso de Goebbels. Em maio de 2020, a SECOM, Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência, publicou no Twitter uma mensagem com uma das frases emulando um dos lemas nazistas: “o trabalho liberta”. Lema este estampado nos portões de Auschwitz. Em julho de 2021 a presidência recebeu com entusiasmo a deputada alemã Beatrix Von Storch, líder do partido de extrema direita na Alemanha, que flerta com grupos neonazistas. Além disso, ela é neta do ministro das finanças e um dos homens de confiança de Hitler durante a Segunda Guerra. Para completar, de 2019 pra cá estima-se que o movimento neonazista no Brasil cresceu absurdos 270%! Além de estarem mais presentes nas redes sociais e na internet de maneira geral, estão voltando a aparecer pessoalmente.

Talvez o Monark e o Kim Kataguiri realmente não sejam nazistas. Mas eles defenderam uma ideia perigosa demais para ser sequer levantada como hipótese. Kataguiri se justificou, durante aquela conversa insana no podcast, que se o partido comunista podia atuar livremente, com o Stalin tendo matado tanta gente, o partido nazista também deveria ser liberado.

O partido comunista, em sua ideologia, não tem nada de violento ou preconceituoso, apesar de não ser tão democrático como deveria. Eu já contei num texto aqui, um tempo atrás, sobre o surgimento do partido comunista no Brasil, a Intentona Comunista brancaleônica de 1935 e tal. Por mais questionáveis que sejam, são ideais no campo da política e economia.

Já o nazismo é essencialmente violento e preconceituoso. Não é à toa que qualquer tipo de grupo, agremiação ou partido com viés nazista é proibido em vários países do mundo, incluindo a Alemanha.

Dar liberdade para nazistas expressarem suas ideias livremente é correr o risco de que eles acabem agrupando mais e mais pessoas. O Brasil tem uma sociedade historicamente reacionária, conservadora, racista e elitista. A gente precisa lutar muito para deixar esse comportamento tão enraizado para trás. E não vai ser dando liberdade para nazista que a gente vai conseguir isso, mas sim calando-os.

Ah, já ia me esquecendo. Sabe qual era o slogan do governo de Hitler? Era “Deutschland über alles” Sabe o que significa em português? Significa “Alemanha acima de tudo”. Como diria o Ronnie Von, significa.

Brasil Über Alles!

HOJE EU RECOMENDO
FILME: A Lista de Schindler
Direção: Steven Spielberg
Ano de lançamento: 1993
Um filme pra entender bem o que foi o nazismo e parar pra refletir se realmente vale a pena dar voz para essa gente.

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