Seis anos como “mãe pâncreas”

Existe um ditado popular que fala que “ser mãe é ter um coração batendo fora do peito pra sempre”. Para nós, mães-pâncreas, além do coração extra, temos também um pâncreas preguiçoso que precisa de uma ajudinha.

O termo curioso é utilizado para se referir às mulheres que, além de lidar com os desafios da maternidade, também precisam desempenhar a função do órgão por seus filhos com diabetes tipo 1. Essa doença crônica é geralmente diagnosticada na infância ou adolescência e ocorre quando o pâncreas não produz insulina suficiente, o que exige um tratamento com uso diário de insulina e/ou outros medicamentos para controlar a glicose no sangue.

E foi assim que explicamos ao Christian, em seus recém-completados 6 anos, o que era a doença: “você tem um pâncreas preguiçoso que precisa de uma energia extra pra funcionar direitinho”.

“Eu tô doente, mãe?”, perguntou ele.

“Não, filho. Comendo direitinho, praticando esportes e tomando a “energia extra”, fica tudo bem!”, respondi.

Confesso que receber a notícia não foi fácil. Há um processo natural de negação, de não entender bem o porquê de aquilo estar acontecendo. Nesse momento, a ajuda dos profissionais de saúde foi fundamental.

Tivemos o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar composta por enfermeira especialista, psicóloga, nutricionista e uma médica, que nos auxiliaram demais, especialmente no momento em que recebi o diagnóstico do meu filho.

Desde então, lá se vão quase 6 anos como mãe-pâncreas. Percebi que parte dessa energia extra que ele precisava não viria somente da insulina, mas, essencialmente, dos cuidados e monitoramento constantes que são necessários para que ele possa viver, crescer e se desenvolver como qualquer outra criança de sua idade.

Isso faz toda a diferença quando a gente vai encarar o diabetes, quando a criança vai, e também como iremos passar isso para criança. Medir a glicemia, trocar sensores, calcular carboidrato, se sentir culpada quando dá tudo errado, se sentir a Mulher-Maravilha quando dá tudo certo, definir doses, acordar de madrugada, se sentir cansada, não demonstrar que está cansada…

Mas, sobretudo, ser mãe. E apenas mãe. Olhar para o Christian e vê-lo além do pâncreas, além dos gráficos. Fazer de tudo para poder ver aquele sorriso gostoso após uma aplicação de insulina. Conversar sobre as corridas de kart enquanto trocamos os sensores, ensinar e aprender com ele.

É indescritível a sensação de vê-lo crescer com autonomia e decidindo comigo que doses aplicar. Observar que, aos poucos, assim como todos os filhos, ele vai precisando um pouquinho menos da mamãe.

O importante é que o Christian sabe que tem responsabilidades e que acaba sendo inspiração para outras pessoas. Ele é uma espécie de embaixador infanto-juvenil para os cuidados com diabetes nesta fase que é crucial para definir como será a saúde como adultos no futuro. Isso o ajuda a mostrar como uma criança supera seus desafios e não coloca limites nos seus sonhos apesar do diabetes, e ainda levanta uma questão importante: você pode realizar tudo e, acima de tudo, tem apoio e suporte para correr atrás de seus sonhos.

Criamos nossos filhos para o mundo, mas mantemos por perto aquele docinho em caso de hipoglicemia.

* Flávia Mosimann é mãe de Christian Mosimann, piloto de kart patrocinado pela Novo Nordisk, atual campeão na categoria Cadete e embaixador do esporte pela Sociedade Brasileira de Diabetes. Christian tem diabetes tipo 1.

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