Essa é a nossa casa, esse é o lugar que precisamos salvar

No mundo da alta performance, como costumeiramente estamos inseridos, sempre é bom estarmos atentos para onde certas tecnologias estão nos levando, como não somos muito dados a ir fundo na maioria das questões vitais de nossa existência, muitas vezes acabamos caindo de joelhos perante certas realidades técnicas ditas “miraculosas”; sabemos bem que nem tudo aquilo que brilha de modo incandescente é bom para a mente e o corpo. Quantas vezes já fomos tragados pela retórica fácil, porém dúbia de profetas futuristas, quantos castelos sob a égide do progresso foram construídos e tão veloz quanto o surgimento, o desmoronamento se fez presente em muitos desses “profetas”. Mas tudo vai e volta, novas roupagens, novas linguagens, tudo para satisfazer a ânsia por dias melhores, uma vida mais plena e cheia de significado, pois até agora tivemos imperfeições.

Aldous Leonard Huxley (1894-1963), é uma daquelas muitas luzes que ainda brilha com serenidade entre nós, longe de ser um catastrofista, ele é um autor e pensador coerente com aquilo que fala, escreve e pensa, acompanhou de perto as muitas “verdades” que pululavam ao seu redor, isto é, novos melhorismos de todo tipo, uma nova espécie de seres humanos, todos acima da lei, da moral e dos bons costumes, enfim ele percebeu com clarividência que o ser humano sempre foi um ser inconstante e sequioso de sempre querer mais. Huxley, notou a chegada de tempos sombrios para as pessoas, as muitas obsessões, as desenfreadas buscas por mais poder, expansão, a toxicidade da vida, o mergulho no vazio existencial, o vácuo deixado pela política, tudo isso e muito mais povoou a mente de Huxley, na medida que suas forças permitiam, transformou sua visão de vida em obras.

Sua obra magna é “Admirável Mundo Novo”, publicada originalmente em 1932, retrata com rara lucidez o momento presente de nossa sociedade global, cada um de nós em grau, gênero e número variado pode se ver nela, se identificar com algum dos diversos personagens, em cada palavra dos personagens, sempre aquela angústia, a busca frenética por novidades para nos libertarmos desse labirinto, cada um percebendo que a felicidade está no outro, naquilo que ele faz de revolucionário; a existência sempre por um fio, muito fácil perceber que estamos intoxicados até à alma por tantas drogas legalizadas, drogas essas que cumprem bem o seu papel no sentido de quem as vende para o grande público, enquanto esse torna-se a cada momento mais dependente delas; nossa existência está à mercê de forças que nós mesmos demos carta branca para agirem em nosso nome.

Vivemos a era da inteligência artificial, verdadeira revolução no sentido de que faz tempo que estamos delegando nossas faculdades mentais mais caras, para algo totalmente estranho de nós, a impressão que se tem é que os seres humanos cansaram de usar sua inteligência, que apesar de todos os avanços imagináveis a que chegamos, a missão por si só não está completa; a inteligência artificial promete demais, não ela propriamente dita, mas os seus idealizadores, os grandes propagandistas que quase nunca sabemos seus nomes. A grande jogada dos marqueteiros da inteligência artificial é que sem ela nada nem ninguém se manterá em pé por muito tempo, que ela será a solução definitiva para nossos tédios, nossas decepções e principalmente para com a vida em geral, prometendo grandes curas no corpo e na mente, intervenções portentosas até em relação à morte e longevidade.

Admirável mundo novo pode também ser o nosso querido Brasil, local onde a novidade é algo sempre espetacular. Não importando quais sejam as consequências, aqui mergulhou-se fundo no mundo tecnológico como se tudo o que vivemos até o presente não tivesse servido para nada, isso é típico das utopias, o passado sendo sempre visto como uma anomalia, uma doença que precisa ser curada custe o que custar. Aqui Prometeu fez sua morada em definitivo, mas esse tem sido incapaz de ver, ouvir e falar a respeito da realidade, apenas promete como é do seu feitio que amanhã será melhor; o mundo visto sob o prisma de Huxley é frio, autoritário, uniforme, extremamente individualista, sendo incapaz de reconhecer a riqueza da alteridade, mais do que qualquer outra época precisamos saber usar bem o nosso conhecimento para que ele não descambe e degenere.

Aldous Huxley e seu vibrante “Admirável Mundo Novo”, nos deixa inquietos, ele capturou de forma exuberante o futuro não tão brilhante como muitos imaginavam, a atualidade de Huxley é mais do que comprovada, é avassaladora, um pessimismo em relação ao ser humano, bem como com relação às instituições, é gritante, olha com desconfiança para o culto à ciência, sabe bem que ela não é um mar de rosas. Politicamente vivemos tempos de profundas decepções, xenofobia e o racismo tem aumentado assustadoramente, manipulações de todo tipo selecionam quem é e quem não é apto para viver e conviver em sociedade. Docilmente, infantilmente acreditamos que aqueles regimes ditatoriais do século XX desapareceram e que nunca mais voltariam; Huxley com certeza se estivesse entre nós ficaria horrorizado de se terem máquinas especializadas em fomentar massas de excluídos; o futuro repete o passado de modo grotesco, esse definitivamente não é o melhor mundo, mas é sim aquele que temos obrigação de salvar.

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia, ambos pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, Doutor e Mestre em Filosofia, professor titular do programa de Bioética pela PUC-PR. Emails: [email protected] e [email protected]

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