Mulheres marcantes (3): Svetlana Aleksandrovna Aleksiévitch

Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla

Nossa terceira mulher marcante para esse mês de março é Svetlana Aleksandrovna Aleksiévitch, ucraniana, nascida no ano de 1948, o momento não poderia ser mais oportuno do que esse para se trazer seu testemunho, sua coragem, sua audácia em mostrar ao restante do mundo aquilo que não nos contaram, hoje mais do que nunca essa ucraniana é uma testemunha fiel. Formou-se em jornalismo, atuando sempre em muitos jornais, é uma escritora profícua, seus escritos têm o sabor especial dos testemunhos pessoais, ou seja, seu trabalho está concentrado em retratar a vida das mulheres e homens da antiga União Soviética, bem como o depois da derrocada da mesma; reconhecida internacionalmente pelo conjunto da obra, em 2015 foi agraciada com o Prêmio Nobel de Literatura, em suma: ela retrata fielmente a vida, suas conquistas, suas dores e esperanças.

Num de seus recentes livros ela nos conta: “Se você olhar em toda a nossa história, tanto soviética quanto pós-soviética, ela é uma enorme vala comum e um banho de sangue, um eterno diálogo entre executores e vítimas. As malditas perguntas russas: o que deve ser feito e quem é o culpado. A revolução, os Gulags, a Segunda Guerra Mundial, a Guerra do Afeganistão escondida do povo, a queda do grande império, a queda da terra socialista gigante, a utopia terrestre e agora um desafio de dimensões cósmicas, Chernobyl. Este é um desafio para todas as coisas vivas na terra. Essa é a nossa história. E este é o tema de meus livros, este é o meu caminho, meus círculos do inferno, de homem para homem”. Neste momento em que assistimos um show de horrores sem igual na Ucrânia, onde milhões fogem desesperados, nossa indignação deveria ser total e não apenas de fachada.

O cenário global é o de uma incerteza geral, existem muitas guerras de narrativas de ambos os lados, nesse jogo de forças não há nenhum mocinho, há sim muitos bandidos que vestem conforme a ocasião roupas vistosas, grifes de última geração, todo um aparato com aparência de estarem lutando pelo comum quando na verdade estão apenas e tão somente defendendo seus interesses, para esses o sofrimento inominável das vítimas não lhes interessa. Todos os países diretamente ou indiretamente encontram-se ressentidos, marcados por um passado violento em todas as áreas, o que tem imperado é a vontade do mais forte, gerando ondas de descontentamento aqui e acolá, as justificativas de ambos os lados para o conflito são enganosas, traiçoeiras e mal disfarçadas; nunca uma guerra pode ser aceitável, nunca a morte de inocentes pode ser aceita, essa infâmia deve ser eliminada.

No dia 10 de dezembro de 2015, em Estocolmo, Suécia quando do recebimento do Prêmio Nobel de Literatura, Svetlana fez um discurso profundo, feroz e audacioso, este não perdeu sua validade, para o atual momento ele é atual: entre tantas coisas ele disse nessa ocasião que tem uma predileção pelas tantas vozes testemunhais, as tantas mulheres com as quais ela conviveu são uma fonte inesgotável de histórias verdadeiras, por mais dura que a vida dessas tantas mulheres tenha sido, ela lembra que o amor sempre estava em suas bocas, esse mesmo amor foi sacrificado inúmeras vezes e de modos variados, ou seja, milhares de vidas, a grande maioria de jovens que foram para a luta e nunca mais voltaram. Esse ser humano com quem ela tem dividido tantas alegrias e tristezas é um espaço único; as suas testemunhas não são imparciais, são de carne e osso, vida e morte.

Svetlana apropriadamente nos relata que o momento é de grande medo, o tempo atual que era para ser de reconstrução tornou-se uma ameaça de grandes proporções, a busca do poder pelo poder está em todo lugar, são os pequenos que mais sofrem pela bestialidade dos grandes, por todos os lados que se olhe a vida de cada um está por um fio; o desconhecido definitivamente abriu suas portas, quem nele mergulha encontra-se destituído das forças necessárias, tantos sonhos desfeitos, em especial aquele de construir o paraíso na terra foi por água abaixo, os homens que acreditaram nessa utopia materialista sem fim naufragaram de modo vertiginoso, alguns até tentam dar vida nova para esse projeto; as ilusões de quem apostou no “invencível homo sovieticus” foram muitas, isso tornou muitos homens ressentidos, ansiosos de vingança; sim o passado não lhes diz nada.

Bioeticamente, nossa terceira homenageada faz um diagnóstico preciso da sua terra, não há vencidos nem vencedores, apenas as vítimas de sucessivos sistemas de governo que nunca deram e nunca vão dar a resposta definitiva para a existência humana na terra, ambos não têm consciência crítica, ambos carregam a marca da desmeroziação completa. A guerra absurda travada na Ucrânia não é produto de pessoas com pensamento mediano, ela é sim fruto de gente altamente capacitada, foram treinadas para apenas fazer o mal a quem quer que seja. Svetlana A. Aleksiévitch retrata o mais fielmente possível a vida de milhares de mulheres, os testemunhos narrados são eloquentes, dramáticos; quem não está convencido é só acompanhar um pouco o relato do que as mulheres estão passando na Ucrânia hoje juntamente com seus filhos e filhas; essa maldita guerra tem origens muito obscuras, poucos caçadores, mas milhões de presas fáceis com suas vidas deterioradas; resta-nos a esperança, pois as gerações vindouras vão pedir contas da nossa atuação hoje.

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, é Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR

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