Os financiamentos imobiliários reajustados pelo IPCA chegaram a movimentar R$ 1,2 bilhão por mês ao longo do ano passado. Com os chacoalhões da economia, esse volume caiu para o patamar de R$ 300 milhões no fim do primeiro semestre deste ano, conforme dados do Banco Central. E o viés é de baixa. A instituição não tem dados específicos sobre linhas de crédito corrigidas pela poupança.
O lançamento da modalidade IPCA ocorreu em 2019, em cerimônia com a presença do presidente Jair Bolsonaro, o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, e uma plateia repleta de líderes políticos e empresários do mercado imobiliário. O banco estatal foi pioneiro na adoção da linha, com taxas na ordem de 3% a 5% ao ano, mais o IPCA. As linhas vigentes até então tinham juros perto de 8,5% ao ano mais a Taxa Referencial (TR). Houve, portanto, redução considerável da parcela inicial para os consumidores, já que a inflação estava num patamar baixo, estimulando as compras e vendas de imóveis – embora em contratos de maior risco.
No ano seguinte, em 2020, foi a vez do lançamento do crédito imobiliário corrigido pela remuneração da poupança. Aqui, o pioneiro foi o Itaú Unibanco, logo seguido por outras instituições. Esta modalidade é considerada menos arriscada para os mutuários, uma vez que o reajuste pela poupança tem um limite, ao contrário da inflação. Basta lembrar da regra: se a Selic for menor ou igual a 8,5%, o rendimento da poupança será de 70% da Selic mais a TR. Se a Selic ultrapassar os 8,5%, o rendimento da caderneta trava em 0,5% ao mês mais TR.
“Entendemos que essas linhas vieram para ficar. Elas tiveram papel importante na diversificação dos produtos do mercado”, diz o diretor executivo da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Filipe Pontual. “Mas é natural que, dependendo da conjuntura do momento, vão ter mais ou menos atratividade.”
‘Previsibilidade’
O presidente da consultoria Melhor Taxa, Paulo Chebat, afirma que o surgimento dessas linhas representou uma inovação, com novas possibilidades de financiamento de acordo com o perfil de cada consumidor. Mas a aderência nunca foi alta, de fato.
Enquanto a linha atrelada ao IPCA chegou a R$ 1,2 bilhão por mês em seu melhor momento, a modalidade tradicional, vinculada à TR, girou entre R$ 14 bilhões e R$ 17 bilhões por mês. “Diante da instabilidade macroeconômica, a maioria dos clientes prefere a maior previsibilidade da TR”, diz Chebat. “Como temos histórico de inflação e juros altos, os clientes entendem que essas linhas têm um risco maior.”
A materialização do risco agora será motivo de um acompanhamento com lupa por analistas. A dúvida é sobre os níveis de inadimplência daqui para frente nas carteiras pós-fixadas, uma vez que as dívidas pesarão mais no já pressionado orçamento das famílias.
Embora haja o risco potencial de a inadimplência subir nas carteiras pós-fixadas de alguns bancos, a chance de isso causar estragos no sistema financeiro como um todo é remota, justamente porque essas linhas cresceram comparativamente pouco até então. “Hoje, o estoque de crédito atrelado ao IPCA é algo em torno de 2% do total de crédito imobiliário no sistema financeiro nacional. Ainda é uma exposição baixa”, dizem Hebbertt Soares e Juliana Cantero, diretores de finanças estruturadas da Fitch Ratings.
Vale lembrar ainda que em 2019, quando o crédito com IPCA foi lançado, havia grande expectativa de que os bancos fossem securitizar os recebíveis dos clientes, ampliando suas fontes de recursos. Mas isso também não decolou.
“Nos Estados Unidos e na Europa, a securitização tem muita originação nas modalidades de financiamento indexadas a indicadores de mercado. No Brasil, ela nunca foi um grande lastro para isso, porque a grande maioria das operações são atreladas à TR. As linhas de IPCA e poupança teoricamente poderiam reduzir esse descasamento. Mas, do ponto de vista de análise de risco, ainda é preciso entender como essas carteiras se comportarão ao longo do tempo para dar mais segurança a investidores”, dizem os profissionais da Fitch.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Comentários estão fechados.