A diferença é que a torre de Verzutti tem o fruto do cacau no lugar dos módulos romboidais de Brancusi. Não é uma obra paródica, garante André Mesquita, que assina a curadoria da mostra com o diretor artístico do Masp, Adriano Pedrosa. Todas as referências usadas pela artista brasileira – do modernismo de Tarsila do Amaral e o surrealismo de Maria Martins à obra pós-moderna (e camp) do norte-americano Jeff Koons – resultam de uma visão de mundo bem diferente de seus artistas sampleados.
“Mais do que deglutir, no sentido antropofágico, ela passa por deslocamentos da imagem para produzir um novo sentido”, observa o curador André Mesquita. Se a coluna de Brancusi em Târgu Jiu, encomendada como um tributo ao infinito sacrifício dos soldados romenos na guerra, está carregada de metáforas, a de Erika Verzutti vem despojada de carga conceitual, garante o curador. Seja como for, a admiração da artista por Brancusi é legítima. Segundo Mesquita, ela visitou o ateliê do artista há dois anos, quando fez uma exposição no Pompidou (o ateliê parisiense do romeno fica ao lado do Beaubourg).
Entre os 79 trabalhos selecionados (esculturas e relevos de parede, produzidos entre 2003 e 2021), a maioria usa como modelos frutas reais e animais, num banquete que faz inveja às metamorfoses do pintor maneirista Archimboldo (1526-1593). E ela aproveita todas as sobras, dos pepinos e abóboras às bananas e jacas forjados em diversos materiais, caso da instalação Cemitério com Franja (2014). Nela, Erika reúne, de fato, sobras das “famílias de esculturas que nascem de composições híbridas entre o mundo mineral, o reino vegetal e o humano.
É o caso, por exemplo, de uma releitura em escala liliputiana da escultura O Beijo, da mineira Maria Martins (1894-1973). A incompletude dos amantes e o impossível diálogo entre eles – que dificultam a relação física pela presença de garras, na escultura de Maria – viram, no Beijo (2011) de Erika, um comentário engraçado em forma de uma beterraba e um aipo que se confrontam. As esculturas de Verzutti usam os mais variados materiais, de papel machê ao isopor, passando por trabalhos de concreto e argila para serem fundidos em bronze. A mostra tem também relevos de parede feitos com bases de bronze ou alumínio.
“Dos títulos à materialidade de suas peças, criam-se loops de imagens, redes de afinidade, oposições, nexos inesperados e mesmo apreensões de narrativas a serem decifradas”, observa o curador, referindo-se ao modo como Erika rejeita a hierarquia dessas imagens na hora de selecionar seus modelos. Classificada como uma artista da geração Gafa (pelo uso de fontes como Google, Apple, Facebook e Amazon), a escultora volta ao passado sem que isso signifique nostalgia ou reverência ao modernismo brasileiro. A propósito, esta filiação à “Família Tarsila” (todas as suas séries derivam de “famílias”) é nítida na apropriação da fálica forma curva (entre animal e vegetal) que emerge da tela Sol Poente (1929), de Tarsila do Amaral.
Essa forma é reproduzida como cisne (outro símbolo fálico) em muitas esculturas de Erika, assim como as obras que fazem uso da forma do ovo, também um elemento recorrente de Tarsila da fase antropofágica, que define a gênese do inaudito (no caso da modernista, o novo que será deglutido pela cobra na tela Urutu). Outra forma relevante nessa obra é a da jaca partida, lembra o curador, replicando as (coloniais, porém modernas) colunas de Brasília num gesto literalmente cortante, que faz pensar sobre o que há de verdadeiro em nossa aludida “vocação” moderna. Mais um convite para decifrar este enigma, assim como seu Bicho de Sete Cabeças, obra coletiva de Erika com outros seis artistas, entre eles Nuno Ramos. Não se trata de se apropriar de imagens, garante o curador, “mas propor transmutações por meio de justaposições inusitadas de elementos de naturezas distintas”.
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