O silêncio também fala

Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla

São tantas as realidades que mereceriam nossa atenção nos dias atuais, mas não raro passamos por elas e não as vemos, não as ouvimos, não dialogamos com elas e muito menos nos importamos, isso em muito reflete as nossas vastas ações em nada fazer, nada sentir, nada se preocupar, nossos achismos culminam sempre com a máxima de que isso não nos pertence, não foi criado por nós, que as situações ora tão reais quanto absurdas acontecem lá, muito distante de nós e não nos afeta, o tão falado e negacionismo sobre tudo e sobre todos vem se tornando uma doença comum, tomando formas e proporções preocupantes; o esquecimento, assim como o esvaziamento da memória gera não poucas incertezas de como a vida será gerida dentro em breve. Quanto mais nos afastamos daquilo que realmente importa, terá na frente algum tipo de repercussão, isso é algo líquido e certo.

É inegável que o ser humano nos últimos tempos mudou radicalmente seu modo de se relacionar com o seu entorno, não poderia ser diferente, caso não tivesse feito as devidas adaptações para viver e sobreviver, o ser humano já teria desaparecido há séculos, mas tal convivência entre os humanos e a natureza jamais foi algo pacifico como muitas vezes erroneamente aprendemos. Faz algum tempo que vem entrando em cena uma palavra para descrever o tremendo poder da ação humana na mudança dos rumos do Planeta; chama-se Antropoceno, uma força que tem cada vez mais perpassado todas as esferas da vida em geral, está aliado sobretudo ao mundo da técnica e todos os seus desdobramentos, um emaranhado de situações que acaba gerando uma arquitetura muitas vezes frágil, pois o Antropoceno tem liberado descontroladamente forças descomunais sobre a natureza toda.

O Antropoceno, mais do que em qualquer outra época, vem de mãos dadas com o paradigma tecnocrático, para quem não se deu conta do que seja tal paradigma, digamos em palavras simples que ele nada mais é do que fazer uso contínuo e também descontínuo da tecnologia, é usá-la para todos os tipos de propósitos que pretendem abraçar todas as dimensões da vida; tal paradigma, cria com certeza boas ações por onde passa, mas também cria reveses para todos, têm gerado conflitos onde sempre os mais vulneráveis pagam o preço; a complexidade que vem se tornando insustentável por onde quer que olhemos. O tecnocrata tira da pessoa qualquer tipo de decisão, tolamente muitos são levados a crer que a máquina tem mais habilidade para saber o que é melhor para todos; justamente nessa crença insana corremos o risco de ficarmos todos cegos, surdos, mudos.

Uma realidade altamente distante de nós, mas que pode muito bem vir nos afetar, é o triste fato de negligenciarmos o que vem se dando nas entrelinhas da política mundial da corrida armamentista nuclear, um assunto que praticamente ninguém presta atenção a não ser alguma nota esporádica dos meios de comunicação, isso quando ela vem à tona. Armas nucleares de imediato nos transportam para o horror de Hiroshima e Nagasaki, em 1945, mas aquilo foi apenas um teste criminoso e imperdoável para todo sempre. Dias atrás, de modo muito fugaz ficamos sabendo que Estados Unidos, Inglaterra e Austrália se uniram para realizarem juntos uma nova ofensiva no campo nuclear, deslocamentos de tecnologias e construção tanto de armas, quanto de submarinos nucleares, algo totalmente desproposital, isso se levarmos em conta o cenário global com suas já tão intensas crises.

O Brasil já embarcou na canoa furada que é a energia nuclear, as não tão famosas Angra I, II e III, ao redor dessas grotescas construções há toda uma população, enquanto as usinas nucleares recebem um tratamento de primeira linha, a população continua carecendo de informações básicas caso venha acontecer algo de pior no interior dessas instalações; se fôssemos realmente coerentes, veríamos que o Brasil nunca precisou desse tipo de energia, é algo extremamente perigoso, dispendioso, agride o meio ambiente por todos os lados, além do que produz muito lixo tóxico que pode sobreviver por milhares de anos na natureza. Não podemos também esquecer que muitos acidentes aconteceram em outros países que usam essa energia, tais como Chernobil, (1986), Three Mile Island 1979), Fukushima (2011), Bohunice (1977), Windscale (1957), Seversk (1993), Yucca Flat (1970).

                Bioeticamente, a energia nuclear nunca foi, não é e jamais será segura, esteja ela sendo usada onde estiver, no Brasil principalmente é um projeto de altíssimo risco e uma insegurança desmedida, assim como o custo de uma usina dessa magnitude é enorme, por outras palavras, é simplesmente jogar dinheiro fora, ou se preferirmos é o mesmo que darmos milho para um cabrito, a questão ambiental é outro fator de alta preocupação, em caso de acidente tudo e todos pagam o preço. As populações que estão perto desses projetos raramente recebem informações substanciosas de como agir em caso de um acidente; entre o real e o abstrato, fiquemos com a lucidez e não com o canto melífluo das sereias. A questão nuclear é global, isto é, interessa a todos, nesse momento muita coisa acontece por debaixo dos panos, sem que praticamente ninguém saiba, com a energia nuclear se dá o mesmo; toda e qualquer produção de energia tem seus prós e contras, mas a energia nuclear decididamente é a mais perigosa e insustentável de todas as existentes.

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética pela PUCPR, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR  

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