Especialista esclarece dúvidas sobre segurança da vacina infantil contra a covid-19

Com a nova onda de contaminação por covid-19 devido à variante Ômicron, a faixa etária menos vacinada, de 5 a 17 anos, é quem mais sofre com complicações da doença

Conforme o governo de São Paulo informou na última quarta-feira (19), nos últimos dois meses as internações de crianças e adolescentes em leitos de UTI pela covid-19 e seus desdobramentos tiveram um aumento de 63,1%, sendo os menores de 17 anos — ou seja, a faixa com menor cobertura vacinal — os mais vulneráveis à doença.

Esse aumento, que ocorre desde o dia 15 de novembro, mostra que a Ômicron está se espalhando rapidamente e que é urgente e fundamental a vacinação.

No entanto, as pessoas estão preocupadas com a possibilidade de efeitos colaterais desconhecidos que poderiam aparecer meses ou anos depois da vacina, conforme explica Luis Augusto Schirr, médico Alergista e Imunologista de adultos e crianças da CLIPE e pediatra das Secretarias Municipais de Saúde de Mangueirinha e São João. “Embora as preocupações com efeitos a longo prazo sejam legítimas, é preciso ter cuidado com a campanha antivacina, que semeia confusão”, alerta.

Para o especialista, as redes sociais são um campo minado de informações incompletas ou manipuladas, dentre elas a alegação de que não existem dados de segurança de longo prazo com ‘novas’ tecnologias de RNA e, portanto, sem certeza absoluta do que o futuro reserva. “Assim, você não deveria sair de casa, um raio pode cair na sua cabeça”, sintetiza.

Para ele, é fundamental esclarecer que, em primeiro lugar, essa tecnologia não é tão nova assim. “As pesquisas com vacinas de mRNA evoluem há décadas, e foram estudadas anteriormente para influenza, zika e raiva”, garante. “Embora tenha muita coisa que estamos aprendendo sobre as vacinas – como taxa eficácia para variantes e tempo de proteção – há muitas coisas que sabemos, que dão confiança na segurança a longo prazo”,enfatiza. Os efeitos colaterais desconhecidos, por exemplo, aparecem dentro de dois meses após a vacinação. “A história mostra que este é um padrão comum, desde os anos 60 com a vacina da Pólio, e exemplos continuam até hoje”, comunica. A segurança, diz o médico, não gira em torno da confiança cega no sistema, mas nos dados de ensaios clínicos, aliados à compreensão dos mecanismos da imunização.

O Caderno Saúde levantou algumas questões comuns aos pais sobre a vacinação das crianças de 5 a 11 anos, que foram esclarecidas pelo médico. Confira:

Se as crianças são as que menos sofrem com complicações da covid, por que elas precisam tomar a vacina?
Devido a rara possibilidade de apresentar sintomas graves, apesar da grande maioria de crianças com covid-19 apresentarem sintomas leves, a taxa de mortalidade em nosso país está entre as mais altas do mundo. Segundo o Ministério da Saúde, são 2.625 óbitos por Covid-19 entre 0 e 19 anos. Desde a confirmação do primeiro caso no país foram 791 óbitos de menores de 1 ano, 397 de 1 a 5 anos e 1.437 mortes entre 6 e 19 anos. Além disso outra preocupação é a síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (MISC), que gera inflamações em diferentes órgãos, incluindo coração, pulmões, rins, cérebro, pele etc. Só no Brasil, mais de 1.400 casos já foram registrados. É preciso lembrar também do perigo da covid-19 longa, que podem trazer impactos cognitivos e de aprendizado nas crianças, ou seja, temos inúmeras vantagens em realizar a vacinação. Entre elas, posso sinalizar:

  • Redução da chance de pegar a doença e ficar doente.
  • Prevenção de forma mais graves da Covid-19, das internações, da síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (MISC), miocardite e morte.
  • Redução da transmissão para grupos de risco em casa ( avós, pais, mãe e irmãos com comorbidades).
  • Redução das complicações pós covid-19 que também afetam crianças.
  • Redução da circulação viral: sem vacinas as crianças são reservatório do vírus e fonte de novas variantes.
  • Redução dos surtos escolares e necessidade de fechamento escolar, o que leva a comprometimento social, econômico, de aprendizado e da saúde mental.
  • Posicionamento a favor da vacinação das principais entidades médicas mundiais.
  • Vacina segura e eficaz, com mais de 90% de eficácia.

Como é possível saber se a vacina é segura?
Para responder sobre confiar do tempo que se avalia segurança, considera-se as duas únicas fontes causais possíveis de efeitos de longo prazo: os componentes da vacina, ou a própria resposta à imunização.

Apesar da sensação de alta tecnologia das vacinas de RNA, seus ingredientes são bastante simples. Eles contêm minúsculas partículas de gordura e polietilenoglicol (PEG), amplamente utilizado como laxante. O componente mRNA, tem um código q a célula traduz para produzir a proteína viral (spike), e após ser ‘lido’, decompõe-se e desaparece totalmente nos dias seguintes à vacinação. A spike também desaparece, tendo existido brevemente. Em resumo, sabemos exatamente quais substâncias estão presentes nas vacinas, e possuímos um conhecimento detalhado e completo de suas propriedades e perfis de segurança. Sabemos que o PEG pode ser um problema para pessoas com histórico de reação alérgica , embora anafilaxia permanece um evento raro, com alguns casos por milhão.
Assim, quando se elimina a preocupação com os componentes da vacina, a única maneira de eventos adversos de longo prazo surgirem seria devido à própria resposta à imunização. “Para entender esse risco, você precisa entender o que está acontecendo em seu corpo. Na resposta imunológica, induzida pela vacina, as células T saem dos gânglios poucos dias após a primeira dose da vacina. Os anticorpos (defesa) aumentam em número e afinidade pela proteína spike após a segunda dose, que funciona como um gatilho para convencer seu sistema imunológico que essa proteína estranha é algo para levar a sério. Por fim, na ausência de novas cópias da proteína spike, a resposta imune se estabiliza. Um pelotão de elite, as células de memória são estabelecidas, prontas para aumentar rapidamente a produção de anticorpos se por acaso formos infectados. As concentrações de anticorpos atingem seu pico de concentração em algumas semanas, depois têm lento declínio. Após este ponto, o risco de complicações graves pela imunização não aumenta. Pelo contrário: diminui para praticamente nada, em cerca de 3 meses.

A vacina pode fazer mal para a criança?
A vacina é segura, sim. O risco de reação é menor do que se observa nos casos de covid em crianças. Mesmo com a rapidez no desenvolvimento da vacina, todas as etapas foram cumpridas. Dados da americana CDC (sigla em inglês para Centros de Controle e Prevenção de Doenças), após 8,7 milhões, apontam que efeitos colaterais graves são raríssimos, com nenhum óbito. Portanto, o beneficio da vacina é infinitamente maior do que o mal que raramente possa vir acontecer. Mas é importante ressaltar que vacinar é reduzir risco, e não anulá-lo.

Quais as reações mais comuns à vacina?
A vacina pode apresentar alguns efeitos adversos principalmente na primeira semana após aplicação, como febre por mais de três dias, dor no local da aplicação, lesões na pele ou prostração.

A criança precisa de autorização médica pra se vacinar?
Não é necessário que a criança passe por avaliação médica ou tenha autorização médica para vacinar, assim como para qualquer outra vacina.

A vacina é contraindicada para alguma criança?
A contraindicação é apenas para crianças que tenham alguma reação aos componentes da vacina, o que é raríssimo. A vacina Pfizer para pessoas de 5 a 11 anos de idade é composta por RNA mensageiro – proteína spike do vírus. A vacina não contém alimentos (ovo, leite, etc), látex, gelatina, timerosal e antibióticos.


E os estudos de segurança de longo prazo?

Mesmo que a farmacovigilância de longo prazo seja particularmente importante para medicamentos de uso regular em doenças crônicas, ou que podem ter efeitos além do alvo biológico, a situação é diferente para as vacinas (intervenção pontual). O especialista explica que, depois de passar todas as fases de pesquisa, os desfechos finais são concluídos ao longo de alguns anos. “Por exemplo, conclusão do estudo vacina Pfizer é 2023 (sujeito a alterações). Mas isso não significa que 2023 seja a data em que consideramos esta vacina segura. A principal coisa que aprenderemos nessa data é se a imunidade é duradoura; o ‘barco’ de segurança já partiu há muito tempo. Os desfechos de segurança da vacina Pfizer concluem seis meses após segunda dose”, fala.

Schirr garante que nunca se examinou a segurança de uma vacina tão de perto quanto agora. “Sabe-se que a confiança nas vacinas, além da covid-19, está em jogo. Um erro regulatório neste estágio pode reverberar por muito tempo no futuro, com consequências maiores para o controle de doenças infecciosas. Enfim, não há certeza absoluta em medicina. É natural e importante nos preocuparmos com a segurança, mas a pergunta certa a fazer não é se temos certeza absoluta, mas se temos certeza suficiente. E, no caso das vacinas contra a covid-19, a evidência é clara: nós temos”, enfatiza.

Luis Augusto Schirr é médico Alergista e Imunologista de adultos e crianças na CLIPE, em Pato Branco, e pediatra das Secretarias Municipais de Saúde de Mangueirinha e São João. CRM 1022598-RJ / RQE 30139.
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