Mais de 10 milhões de pessoas sofrem com transtornos alimentares

Viver com transtorno alimentar pode ser muito difícil. A relação conflituosa com a comida, somada a fortes impulsos físicos e emocionais, além de uma visão distorcida de si mesmo e do próprio corpo, levam muitas pessoas a insatisfação e ao sofrimento. Infelizmente, no Brasil e no mundo os índices de ocorrência da doença são alarmantes e, especialistas estimam que esse número seja ainda maior, considerando que muitas pessoas sofrem em silêncio e, por medo ou preconceito, não procuram o tratamento adequado para a doença.

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), afirmam que 5% da população brasileira sofre com esses transtornos, número que chega a 10 milhões de pessoas com algum tipo de transtorno alimentar.

A médica de saúde mental do CAPS II da 8ª Regional de Saúde, Daniela Roca, conta que apesar da doença afetar qualquer tipo de pessoa, os jovens, especialmente, as mulheres, são o público mais vulneráveis e mais propenso a desenvolver alguma dessas patologias. “As causas podem ser psíquicas, provocadas por fatores socioculturais, fatores hormonais, ou ainda, genéticos. As mulheres também são mais propensas a ter baixa estima e a perseguir padrões de beleza, que muitas vezes inalcançáveis”, disse.

A médica lembrou ainda que o ambiente social ficou ainda mais conflituoso com a popularização dos aplicativos de fotos, como os filtros de Instagram, que alteram características pessoais e distorcem a maneira que muitas pessoas têm de si mesmas, estabelecendo novos padrões de beleza, ainda mais difíceis de ser alcançados. Uma das provas disso é o aumento da procura por cirurgias estéticas que é crescente a cada ano que passa, revelando que a insatisfação com a aparência tem se tornado um grande problema de saúde não só no Brasil, mas no mundo.

Segundo o Ministério da Saúde transtornos alimentares como compulsão alimentar, bulimia e anorexia, afetam cerca de 4,7% da população em geral, e nos jovens o índice é ainda mais alarmante, podendo chegar a 10% desta parcela da população.

“Podemos dizer que o contexto em que os jovens estão inseridos é mais favorável ao surgimento de doenças como estas. Se consideramos que eles têm uma presença e constância maior no mundo digital, ficando mais expostos as informações, aplicativos, opiniões e julgamentos das redes, a visão e autoanálise pode ser excessivamente crítica, além disso, muitos têm uma grande necessidade de aceitação e pertencimento junto aos amigos, família e sociedade o que deixa esse público ainda mais vulnerável”, explicou a médica.

PRINCIPAIS DISTÚRBIOS

Para esclarecer melhor sobre os transtornos mentais, como eles ocorrem e de que maneira identificar, Daniela Roca elencou alguns dos principais e mais comuns:

– Anorexia nervosa: É quando a pessoa se autoavalia com excesso de peso, ainda que esteja abaixo do peso ideal de acordo com Índice de Massa Corporal (IMC). “A prática de exercícios físicos exagerados, o uso indevido de laxantes e diuréticos acompanham a doença, o que acarreta em consequências sérias, como a gastrite, a hipotermia e a anemia”.

– Vigorexia: É um transtorno de ansiedade que faz com que o paciente distorça a sua imagem, ocorrendo uma preocupação exagerada, bem como exercícios físicos intensos e métodos extremos de treino. “Mais comum em homens, pode levar ao uso de anabolizantes e outras substâncias proibidas”.

Compulsão alimentar: Acontece quando há a perda do controle sobre a alimentação e o consumo passa a ser exagerado. “Diferente dos distúrbios anteriores, a pessoa não segue um comportamento compensatório, como a prática de atividades físicas e o jejum. Por, geralmente, terem sobrepeso ou obesidade, os riscos de doenças cardiovasculares são maiores”.

– Bulimia nervosa: Neste transtorno temos dois momentos de observação, sendo que o primeiro é o consumo de alimentos em grandes quantidades, seguido do sentimento de culpa. “Como consequência, a pessoa irá procurar uma maneira de expurgar as calorias, o que ocorre geralmente através do vômito forçado e, por sentir vergonha, acontece sempre em segredo”.

– Ortorexia nervosa: “Neste caso, você pode ficar surpreso, mas a obsessão por alimentos saudáveis também é um distúrbio alimentar. A pessoa exclui da sua dieta uma grande quantidade de alimentos que possuem químicas, agrotóxicos ou aditivos e, por muitas vezes, se recusa a comer o que não foi preparado por ela – levando a outro fator agravante que é o isolamento social, principalmente, porque ela acaba evitando participar de confraternizações e festas”.

Daniela Roca é médica de saúde mental, CRM/PR 33474

ATENÇÃO AOS SINAIS

Segundo o Ministério da Saúde, duas das doenças mais comuns são a bulimia e a anorexia. “Geralmente os responsáveis e as pessoas mais próximas são os que detectam os sinais de alerta. Aquele que sofre com o transtorno dificilmente será capaz de identificar alterações, neste caso alguns sintomas merecem atenção”.

  • Nos casos de anorexia:

Realização de dietas que se tornam cada vez mais restritivas com o passar do tempo, observação constante das embalagens de produtos e contagem de valor calórico, isolamento para não se alimentar junto da família, comportamento de se pesar e medir o corpo com frequência.

  • Nos casos de bulimia:

Episódios de compulsão alimentar onde a pessoa passa a comer muito rápido e em grande quantidade, ela se direciona ao banheiro logo após a ingestão desses alimentos para provocar vômito ou após grande ingestão de comida o indivíduo decide fazer um longo período de jejum, além da compra de grandes quantidades de laxantes e diuréticos sem prescrição médica.

“A atividade física excessiva é uma característica comum tanto nos casos de anorexia quanto nos casos de bulimia”.

DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

Sobre a maneira correta de estabelecer um diagnóstico da doença, além de observar os sintomas já mencionados, uma avaliação médica se faz necessária, principalmente porque essas doenças costumam vir atreladas a outros transtornos mentais como depressão e ansiedade.

“Independe de qual seja o distúrbio alimentar enfrentando, é fundamental que a pessoa receba o apoio da família e que, juntos, procurem a ajuda de um profissional. Com relação ao tratamento, ele será estabelecido a partir dos sintomas apresentados por cada paciente, podendo ser realizado uma abordagem medicamentosa atrelada a um plano terapêutico que pode envolver psicoterapia, individual ou em grupo. Isso vai depender do grau de complexidade do distúrbio em questão”, disse Daniela.

Sobre o número de pacientes que apresentam algum tipo das doenças mencionadas, a médica afirmou que “Eu atendo pacientes tanto em consultório particular, como no setor público e posso afirmar que o número de pessoas com transtornos alimentares é muito alto e está cada vez mais crescente. Da minha prática diária, estimo que em média, que cerca de 60% dos pacientes têm algum tipo de distúrbio alimentar’, lamentou.

A médica afirma que é fato que o preconceito existe e isso acaba desestimulando as pessoas a procurarem ajuda, ficando na maioria das vezes desamparada não apenas de tratamento médico, mas também de apoio, compreensão e incentivo ao bem-estar. “Como já mencionamos, a procura por cirurgias e procedimentos estéticos está aumentando a cada ano. As pessoas querem seguir uma tendência, se encaixar em padrões como ter lábios carnudos ou um rosto simétrico, por exemplo, e acabam buscando esses recursos. No entanto, o que fica, em muitos casos, implícito e oculto são os transtornos mentais, que muitas vezes levam a insatisfação pela própria aparência”, argumentou.

Sobre o atendimento na rede pública de saúde, Daniela Roca afirmou que o paciente deve procurar realizar uma consulta com um médico clínico geral. “Este será o primeiro contato e a partir de uma rigorosa avaliação, o médico vai fazer o encaminhamento do paciente para o seu atendimento com profissionais especializados em distúrbios alimentares”, disse.

ESTIGMA E PRECONCEITO

Na contramão de todo o contexto de aparência idealizada e perfeita, muitas pessoas públicas têm incentivado a autoaceitação e a quebra de padrões estéticos, valorizando essencialmente a autoestima, saúde e o bem-estar. Questionada sobre essa campanha e seus benefícios a médica afirmou ser muito válida a iniciativa, porém a saúde não deve ser negligenciada.

“Nota-se que este assunto tem sido amplamente falado e é importante esclarecer que autoaceitação não é romantizar a obesidade, e amor próprio não é somente parar de comer fast food e praticar exercícios físicos. O que mais queremos é que homens e mulheres, pois, sim, homens também sofrem com a pressão estética, aprendam a desenvolver sua autoestima, tenham segurança consigo mesmos, e aprendam a gostar do próprio corpo com suas características únicas e singularidades, porém nada disso é um estímulo à obesidade que é uma doença e deve ser tratada”, ressaltou.

A médica alertou ainda que amor próprio também é uma questão de saúde, sendo que a busca pelo equilíbrio é o grande desafio nos dias atuais. “Queremos estimular o amor próprio de todos, relembrando que não somos obrigados a atender à ditadura de um único padrão de beleza. A base do relacionamento entre as pessoas deve ser a empatia, que vai ajudar a vencer o preconceito e permitir que uma pessoa ocupe seu espaço sendo quem exatamente ela é. Lembrando que a aceitação corporal não é forçar a se amar, mas é liberdade. Liberdade de ser quem você é, de aceitar os outros como eles são, refletindo sobre os padrões estéticos impostos pela sociedade”, disse.

Tenho transtorno alimentar e agora?

Siga essas dicas para amenizar os sintomas e procure ajuda médica presencial ou on-line.

– Procure o motivo que você come descontroladamente. Identificar o gatilho vai te ajudar a lidar melhor com todo o processo.

-Aprenda a beber muita água.

– Evite a regra de comer de 3 em 3 horas.

– Tire da sua alimentação produtos industrializados.

– Pratique atividade física de maneira saudável e equilibrada.

– Evite dietas restritivas.

– Não pule refeições.

– Planeje as refeições.

– Coma mais fibras.

– Mastigue bem, coma devagar.

– Evite ter Junk Foods em casa.

– Mantenha um diário com os hábitos alimentares.

– Durma bem.

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