Transplante de coração de porco em humano é esperança para muitos pacientes

No início de janeiro, dia 7, para ser mais exata, o americano David Bennett, de 57 anos, decidiu tentar o tratamento experimental porque essa era sua última opção. Internado há mais de um mês com insuficiência cardíaca terminal, ele havia esgotado todas as outras opções e não haveria tempo hábil para entrar na fila de transplantes por um coração humano.

A cirurgia, realizada na Universidade de Maryland, nos EUA, foi considerada um sucesso, e acendeu o farol da esperança para que vive na longa fila de espera por um órgão.

Convidamos o médico Paulo Giublin, referência em cirurgia cardiovascular, que atualmente é chefe do Serviço de Cirurgia Cardíaca e responsável técnico pelo setor de transplante de coração do Instituto Policlínica Pato Branco, para comentar sobre o assunto. Confira:

Há centenas de anos tem-se tentado o uso de tecidos e órgãos de animais em seres humanos. A primeira tentativa de transplante que se tem notícia, foi há quase três séculos, quando se injetava sangue de cordeiro para tratar as mais diferentes doenças. Os resultados, muitas vezes, eram ruins.

Animais como cão, porco, gato e outros mamíferos foram usados em estudos para a sua utilização como doadores de órgãos para seres humanos. Sempre a rejeição foi o maior problema para que os estudos progredissem.

Em 1983, o coração de um babuíno foi implantado em uma criança, que sobreviveu apenas 20 dias. Recentemente foi realizado um transplante de rim de porco em um ser humano com morte encefálica, e ele funcionou por três dias. Coincidentemente, o cirurgião que fez o transplante também tem um coração transplantado.

No último dia 7 de janeiro, a Universidade de Maryland anunciou a realização do primeiro transplante de coração de um porco geneticamente modificado em um ser humano vivo, em uma cirurgia que levou cerca de sete horas.

Rejeição ou sucesso

O sucesso dos transplantes de órgãos está intimamente ligado ao desenvolvimento ou não do fenômeno da rejeição.

Se esse fenômeno for controlado com drogas que não tenham outros efeitos colaterais, a possibilidade de sucesso a longo prazo será muito grande. Além desse ponto, temos a pequena oferta de órgãos em ótimas condições de serem implantado em um paciente, não somente pela recusa dos familiares, mas também pela deterioração do órgão, muitas vezes que esses doadores permanecem longos períodos até que ocorra, de fato, a morte encefálica. Com essa demora, infecções e problemas em outros órgãos podem danificar e inviabilizar a sua utilização para transplante.

Hoje, detemos as técnicas para a realização dessas complexas cirurgias, mas esses dois pontos que citei são críticos para que o procedimento tenha êxito.

As dificuldades técnicas e, principalmente, o controle da rejeição ao órgão, impediram o sucesso dos procedimentos anteriores. Com o avanço nas técnicas de imunossupressão, se vislumbrou a possibilidade de novamente utilizar o xenoenxerto, que é a utilização de órgãos entre seres de espécies diferentes. Mas os problemas de compatibilidade ainda permanecem como um obstáculo a realização desses procedimentos.

As drogas imunossupressoras, desenvolvidas a partir dos anos 70, modificaram o resultado da utilização dos transplantes utilizando homoenxertos, que é o uso de órgãos entre seres da mesma espécie. Os pacientes transplantados necessitam utilizá-las por toda a vida.

O fato novo nesse transplante, divulgado há duas semanas, foi a modificação genética realizada no órgão do animal. Foram modificados ou inativados dez genes, inclusive um que desenvolvia o processo de rejeição ao órgão pelo ser humano, outros para evitar o contínuo processo de crescimento do órgão. Alguns genes humanos foram incluídos no genoma do animal para deixá-lo mais “tolerante” ao processo de rejeição a que seria submetido. Isso pode ser o início da solução de um problema que enfrentamos diariamente, que é a falta de doadores para os que necessitam de um transplante.

Tendo em vista essas dificuldades para encontrar doadores, eu certamente usaria órgãos de outra espécie animal para tratar os pacientes.

Transplantes em Pato Branco

Desde que a pandemia do coronavírus tomou grandes proporções, achamos por bem a suspensão de todos os tipos de transplantes no Instituto Policlínica Pato Branco. Isso porque não tínhamos, e ainda não temos, um método que detecte o vírus, caso o paciente esteja em uma janela imunológica, ou seja, se teve contato há pouco tempo com o vírus, mas ainda não apresenta sintomas.

Outro motivo foi a preocupação de algum paciente, submetido a transplante e em uso de drogas que diminuem sua imunidade, contrair a doença, isso seria um desastre.

Agora que a pandemia está bem mais controlada e a população, na sua maioria, vacinada, retornaremos os transplantes de órgãos (coração e rim) no dia 7 de março de 2022.”

Paulo Giublin é médico, cirurgião cardiovascular, chefe do Serviço de Cirurgia Cardíaca e responsável técnico pelo setor de transplante de coração do Instituto Policlínica Pato Branco. CRM 9449 PR / RQE 4978
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