Depois daquele dia, a vida de Ibrahim mudou. Ele teve de deixar a Síria para fugir da guerra. Do dia para a noite, virou refugiado sem ao menos entender o significado daquela palavra. Mudou-se primeiramente para a Turquia e depois para a Grécia, onde teve a ajuda de um médico para voltar a praticar o esporte que fazia parte de sua vida desde os cinco anos. Ele começou a nadar por influência do pai, que nos anos 70 foi bicampeão mundial de natação. Suas primeiras braçadas foram dadas nas águas do rio Eufrates, que beira sua cidade natal, Deir ez-Zor, um dos últimos pilares do Estado Islâmico.
Ainda em processo de recuperação, Ibrahim foi atrás de refúgio. Com o auxílio de uma cadeira de rodas, ele entrou num pequeno barco que seguia o curso do rio em direção à Turquia. A vida no país vizinho não deu certo. Durante um ano e meio, ele rodou por diversas cidades em busca de tratamento, mas não obteve nada eficaz. Em 2014, decidiu pagar um contrabandista de pessoas para ir chegar na Europa.
“Atravessar o Mar Mediterrâneo parece tranquilo olhando no mapa, mas é extremamente perigoso. Chegando em Samos, fomos recepcionados por policiais. Passei algumas semanas em um acampamento para refugiados até conseguir me mudar para Atenas. A ideia era seguir viagem em direção ao norte da Europa, mas eu não tinha como continuar dali”, recorda o atleta.
Sem ter onde morar, já que Atenas não oferecia suporte para refugiados, Ibrahim viveu em situação de rua até encontrar um compatriota que mudou o seu destino. O sírio, que vivia na Grécia havia mais de 20 anos, lhe indicou um médico conhecido, o Dr. Angelos Chronopoulos, um especialista em próteses ortopédicas. “No dia seguinte, ele me levou ao médico”, recorda-se. O custo para adquirir uma “perna nova” era alto. Sem ajuda, o atleta teria de desembolsar cerca de 12 mil euros, o equivalente a R$ 80 mil. Chronopoulos recusou qualquer contrapartida de Ibrahim e lhe deu uma prótese sob medida. “Consegui o tratamento que tanto procurava”, afirmou.
DE VOLTA ÀS PISCINAS – Sem precisar mais da cadeira de rodas, Ibrahim foi atrás de um emprego. Ele agarrou a primeira oportunidade que encontrou. “Eu limpava banheiros em um café. Não me importava. Estava tão feliz, que acordava alegre todos os dias.” Com o dinheiro do novo emprego, o nadador conseguiu pagar por uma moradia e, enfim, restabelecer sua vida em Atenas.
Foi então que Ibrahim decidiu se reconectar com aquilo que mais gostava de fazer: nadar. Demorou, mas ele encontrou um clube de natação que o aceitou como atleta. “A natação fazia parte de mim. Era algo que estava em minha vida havia muito tempo.” Depois de alguns meses treinando, ele venceu um campeonato em Atenas. Pouco tempo depois, chegou em primeiro e segundo lugar no campeonato Panhellenic de natação em 50m e 100m livres, respectivamente.
O sucesso foi imediato. Tanto que sua performance chamou a atenção do Comitê Olímpico Helênico, que propôs sua participação no revezamento da tocha olímpica dentro do campo de refugiados de Eleonas, em Atenas, para os Jogos do Rio 2016. “A mídia local falava muito de mim. Por ser refugiado e ter fugido da guerra. Carregar a tocha sempre foi uma honra para mim. Sempre foi um sonho fazer parte da Olimpíada. Ter participado dos Jogos do Rio, em 2016, como refugiado, foi incrível. Pude repassar nossa mensagem para o mundo”, conta Ibrahim.
TÓQUIO-2020 – Após sua participação na Paralimpíada do Rio, onde competiu nos 50m e 100m livres, terminando em sexto e sétimo lugares, respectivamente, Ibrahim aprimorou os treinos em Atenas. Em 2017, fez sua estreia no Campeonato Mundial na Cidade do México e, em 2019, voltou a disputar o torneio, em Londres. Hoje, ele busca uma vaga para os Jogos de Tóquio-2020. Na última semana, Ibrahim ficou em terceiro lugar na 15ª Copa do Mundo CMAS Finswimming, em Lignano, na Itália. O anúncio de sua qualificação ou não na Olimpíada de Tóquio acontece em junho. Até, Ibrahim vai continuar sonhando com a competição.
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