80 anos da testemunha ocular da história

(Paulo Argollo)

O jornalismo é uma das minhas grandes paixões. Talvez esse sentimento seja tão forte e presente em mim pelo fato de eu não exercer a profissão, por ter abandonado a faculdade no meio e aquela história toda que quem acompanha minhas palavras neste espaço já deve estar por dentro. Mas, independente das minhas paixões, o jornalismo é mesmo extraordinário e tem histórias inacreditáveis. Neste domingo, dia 28 de agosto, comemoramos os 80 anos de um dos momentos mais importantes do jornalismo brasileiro: A estreia do Repórter Esso, na Rádio Nacional do Rio de Janeiro.

O Repórter Esso não é uma criação brasileira, mas sim uma franquia norte-americana. Desde 1935, a empresa de petróleo e combustíveis Exxonmobil Corporation, derivação do nome Standard Oil Corporation, patrocinava um importante programa de notícias no rádio chamado Your Esso Reporter. O programa era dinâmico, com uma linguagem direta e acessível. Caiu nas graças do público. Com a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, os norte-americanos começaram a levar o formato do programa para outros países, a fim de levar as últimas notícias da guerra a todos os cantos e, é claro, aumentar a influência dos Estados Unidos.

Há muitos rumores, provavelmente verdadeiros, dado todo o contexto da época, que os Estados Unidos chegou a levantar a hipótese de uma invasão ao Brasil, atacando inicialmente Recife. Isso porque estávamos em plena ditadura, e Getúlio Vargas flertava com os ideais e mantinha comércio com a Alemanha nazista.

Vamos lembrar que o Brasil foi um dos últimos países a sair de cima do muro e se alinhou aos Aliados do meio para o fim da guerra. Uma vergonha pra nós.

No entanto, uma invasão não seria muito bem-vista pela opinião pública. Foi então que perceberam que uma intervenção midiática seria muito mais proveitosa. Como a Standard Oil Corporation já atuava no Brasil, foi fácil introduzir o formato do Your Esso Report por aqui, sob o nome Repórter Esso.

O radiojornalismo no Brasil era muito engessado até o início dos anos 1940. O que se fazia era basicamente ler ao microfone as notícias que eram impressas dos principais jornais. Assim sendo, era uma linguagem sem ritmo e não se tinha muita novidade, afinal quem lia jornal já estava por dentro do que acontecia.

O Repórter Esso vinha com a ideia de uma linguagem mais coloquial e direta, além de trazer notícias frescas tanto do exterior quanto de dentro do país, através de uma equipe de jornalismo. Tanto que um de seus slogans era “O primeiro a dar as últimas!”. Os locutores escolhidos para encabeçar o programa foram treinados pelos radialistas norte-americanos por algumas semanas para que tudo realmente funcionasse. Além das notícias locais, o programa tinha o suporte da United Press International, que abastecia o programa via telégrafo com notícias do front da Segunda Guerra, mas também com informações sobre o american way of life, porque os caras não eram bobos.

Assim, dia 28 de agosto de 1941 vai ao ar pela primeira vez, pela Rádio Nacional, o Repórter Esso.

Olha, foi uma revolução! Dali em diante o rádio começou a ficar bem mais interessante. As rádios, que não conseguiam a permissão de retransmitir o Repórter Esso, se viravam para elaborar programas jornalísticos nos mesmos moldes. O jornalismo ganhava uma nova vertente, onde redatores escreviam pensando diretamente no locutor que iria ler a notícia, os repórteres que buscavam notícias nas ruas agora não se limitavam à redação de um jornal impresso.

O Repórter Esso não tinha um viés opinativo, apesar de seguir uma agenda política. Entretanto, sua linguagem mais direta fez com que alguns programas passassem a ter um ou outro comentário entre as notícias. Com o surgimento da televisão no Brasil em 1950, o Repórter Esso seguiu firme no rádio, mas ganhou uma edição na TV, sob o nome de O Seu Repórter Esso.

No rádio, o Repórter Esso teve grandes locutores. Os que fizeram maior sucesso foram Benedito Ruy Rezende, Dalmácio Jordão, que narrou o noticiário de 1950 até seu final, Kalil Filho, Gontijo Teodoro, Luís Jatobá e Heron Domingues. O último programa foi ao ar no último dia do ano de 1968. Nesses 27 anos de vida, uma história muito pitoresca sobre o furo jornalístico mais aguardado do mundo merece aqui ser contada.

No início do ano de 1945 já era certo que o fim da Segunda Guerra Mundial não tardaria. Encantado com a ideia de que seria o primeiro locutor a noticiar o fim da guerra, Heron Rodrigues improvisou uma cama no almoxarifado da Rádio Nacional e lá dormia todas as noites para que, quando a notícia do fim da guerra chegasse pelo telégrafo, ele poder entrar no ar para dar a notícia em primeira mão. Semanas se passaram e nada da notícia chegar. Entretanto, Victor Costa, um dos diretores da rádio, viu a cama de Heron no almoxarifado e ficou muito nervoso. Como já disse, o Brasil vivia sob a ditadura do Estado Novo, e Vargas tinha acabado de instaurar as leis trabalhistas que o fizeram muito popular. Victor Costa passou um sermão em Heron, que se o sindicato ficasse sabendo a rádio podia levar uma multa altíssima e etc. Mas, entendendo o lado do locutor, ficou combinado que, caso a notícia chegasse no meio da madrugada, de imediato seria enviado um carro à casa dele para que ele fosse para a rádio.

Em 30 de abril de 1945, Hitler comete suicídio e Berlim é tomada. Em 7 de maio, o comandante alemão Alfred Jodl assina a total rendição da Alemanha. É verdade que a guerra ainda continuaria até agosto no front asiático, que terminaria com as bombas atômicas lançadas em Hiroshima e Nagazaki. Mas a rendição alemã, em maio, já fora tomada como o fim da guerra.

A notícia chegou aos telégrafos brasileiros na madrugada de 7 para 8 de maio. Naquela madrugada, o responsável por ficar de plantão na Rádio Mayrink Veiga estava muito doente e não foi trabalhar, mas mandou em seu lugar seu sobrinho de 13 anos de idade, que já era grande admirador do rádio.

Quando chega a notícia do fim da guerra, o garoto fica atônito, entende a importância daquela notícia, mas tinha ordens expressas do tio de não mexer no microfone. Mas o peso da notícia falou mais alto. O garoto abriu o microfone e numa voz fina gritava “A guerra acabou! A guerra acabou!”.

Como prometido, um carro fora buscar o locutor Heron Rodrigues, que acordou, se vestiu e foi para a rádio. Quando lá chegou, um funcionário da rádio diz para Heron: “Não precisa correr não, seu Heron. A Mayrink Veiga já deu a notícia.”. Heron Rodrigues ficou frustradíssimo. Mas, ainda assim, deu a notícia. E muita gente que ouviu o guri na Mayrink Veiga só acreditou mesmo quando ouviu a notícia da boca do programa testemunha ocular da história.

Ah, e sabe o garoto que deu a notícia em primeira mão na Mayrink Veiga? Então, ele virou jornalista, se especializou em narração e jornalismo esportivo e se tornou o locutor dos gols da semana no Fantástico. Sim, era o saudoso Leo Batista.

HOJE EU RECOMENDO
Livro: Confesso que perdi
Autor: Juca Kfouri
Editora: Companhia das Letras
Pra quem gosta de jornalismo e esportes, este livro de crônicas e memórias do Juca Kfouri é imperdível.

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