‘Advice to a Secretary’, um ensaio pouco conhecido do criador do detetive Marlowe

Philip Marlowe, o mais independente dos detetives de ficção, não tinha um chefe e ninguém a quem dar ordens. Mas seu criador, Raymond Chandler (1888-1959), precisava de ajuda.
Advice to a Secretary (Conselhos a uma Secretária), um ensaio raramente visto publicado na semana passada na edição da revista trimestral The Strand Magazine, é um conjunto irônico de instruções para sua assistente, nos anos 1950, Juanita Messick. Para Chandler, que tinha uma família pequena além da sua mulher, e alguns amigos próximos, o trabalho era muito pessoal. E o tom com que se dirigia a Juanita variava, de patrão indulgente ao cônjuge infeliz.
“Faça valer seus direitos pessoais o tempo todo. Nem sempre você estará se sentindo bem. Estará cansada e com vontade de deitar. Diga isto. Faça isto. Você ficará nervosa, vai querer sair por um tempo. Então fale. E faça. Se chegar tarde ao trabalho, não se desculpe. Apenas dê uma explicação simples, mesmo que seja boba. O pneu do carro furou. Você dormiu demais. Bebeu. Nós somos apenas pessoas”.
Outras observações que Chandler faz: “Sou exigente apenas no sentido de que quero as coisas certas. Não espero que os seres humanos subordinem suas próprias vidas aos meus caprichos. Se um dia sentir que estou agindo desta maneira, pelo amor de Deus, diga-me”. Ou “Preciso que você seja ordeira e organizada, porque eu não sou”.
O ensaio foi descoberto como uma pista perdida numa caixa de sapatos na biblioteca Bodleian da Universidade de Oxford. O editor-chefe da Strand, Andrew Gulli, que publicou obras obscuras de Chandler (Notes to an Employer), de William Faulkner, John Steinbeck e muitos outros autores, estava ansioso para mostrar Chandler sob um aspecto mais pessoal e divertido.
“A razão de publicar esta obra é que, com frequência, escritores dedicados a temas muito sombrios estão entre as pessoas mais amigas e mais afáveis. Este ensaio mostra um lado mais compassivo de um escritor associado a uma visão de mundo sombria.”
Chandler tinha mente aberta no tocante à vida e ao paradeiro de Juanita, mas era exigente quanto ao seu trabalho de estenógrafa. Certa vez, enviou a ela um breve memorando dedicado inteiramente ao mal-uso dos particípios presentes.
Em Advice to a Secretary, ele sublinha que ela transcreveu incorretamente a palavra “accept” (aceito) em vez de “except” (exceto).
“Se você não compreender integralmente uma sentença, ou uma palavra, ou um sinal de pontuação, diga e peça uma explicação”, Chandler diz a ela. “Se a explicação que conseguir não for suficiente para esclarecer as coisas, peça uma nova explicação. Não se satisfaça com nada menos do que deseja. Nunca é estúpido fazer perguntas, mas é estúpido tentar adivinhar a resposta e correr o risco de errar.”
A estudiosa de Chandler, a Dra. Sarah Trott, observa que a decisão de Chandler de não dar uma secretária a Marlowe contrasta com o detetive Sam Spade de Dashiell Hammet, ou de Mike Hammer, criado por Mickey Spillane.
Embora Chandler tivesse um lado caloroso e brincalhão, e o autor e sua mulher Cissy se tornaram íntimos de Juanita Messick, Chandler evitou essa intimidade em O Longo Adeus, O Sono Eterno e outros romances com Philip Marlowe.
“Ele era uma pessoa introvertida”, disse Trott num recente e-mail à AP, lembrando como o diretor Billy Wilder o considerava um sujeito “meio ácido, azedo, mal-humorado”.
“O estilo de vida isolado de Marlowe, eu imagino, é o mesmo que Chandler ambicionava”, escreveu Trott. (Tradução de Terezinha Martino)
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