Discord quer ser um ‘tremendão’ na música após ter sucesso entre gamers

Com 150 milhões de usuários mensais, o Discord é rei nos games – mistura de rede social com plataforma de comunicação, ele virou ferramenta fundamental para muitos jogadores. O serviço, porém, quer ir além e planeja também ser um “tremendão” no universo da música. Bandas, artistas, selos e produtores começam a migrar para lá atraídos por elementos que pareciam abandonados pelas maiores redes sociais do mundo, como a construção de um senso de comunidade e ausência da mediação de conteúdo por algoritmos.
Em abril, o rapper Travis Scott quase causou um apagão na plataforma ao inaugurar o seu servidor (nome dado ao espaço que as pessoas mantêm dentro do serviço). Em poucas horas, mais de 100 mil fãs correram para o novo lugar. No Brasil, o movimento é ainda mais recente – a peregrinação tem sido conduzida por artistas e selos independentes. Muitos estão interessados em encontrar novas maneiras de se relacionar com os fãs.
“O Discord não tem algoritmo. As pessoas que entram em um servidor têm interesse no que acontece ali. Elas serão expostas ao que é publicado”, conta Marta Karrer, 25, uma das sócias do selo pernambucano PWR Records, que está no Discord desde agosto de 2020 e tem foco na produção musical feminina – atualmente, ela conta com 11 artistas.
Marta sinaliza um resgate importante do Discord no mundo das redes sociais. Com o crescimento de Facebook, Instagram, YouTube e Spotify, a relação entre artistas e fãs deixou de ser direta e passou a ser intermediada por algoritmos. Mesmo que um fã decida seguir seu artista preferido, a IA que reina nesses serviços pode decidir não exibir o conteúdo.
No Discord, o artista tem a possibilidade de se comunicar diretamente, pois o servidor exibe tudo o que é postado. “É uma rede social menos ansiosa para quem quer mostrar sua música. Artistas que dependem muito do Instagram sofrem quando o algoritmo muda”, conta Marta.
Não apenas isso: os artistas podem atingir um alto grau de organização nos servidores. Por lá, é possível criar diferentes canais – eles funcionam como versões modernas dos antigos tópicos de fóruns, que permitem a separação por temas e propósitos específicos.
“O Discord é tudo aquilo que o Orkut gostaria de ter se tornado”, afirma Arthur Ferreira, 37, um dos membros do Biltre. A banda carioca encontrou jeitos engenhosos de utilizar a plataforma desde que criou o seu servidor no final de 2020.
São oito salas de vídeo, oito salas de texto e duas salas para encontros amorosos. Nem todas são usadas para divulgação de material da banda. Tem salas para compartilhamento de memes, para acompanhar BBB, para falar de livros, para escutar músicas e para assuntos gerais.
Dentro dos canais, a relação tende a ser horizontal: artistas e fãs produzem e consomem conteúdo. “Por lá, as pessoas se sentem parte de algo”, conta o cantor e compositor Mati, 23. O gaúcho está no Discord desde o começo de 2020 e, além de interagir com fãs e amigos, costuma apresentar prévias de novas músicas na plataforma.
Identidade
A valorização entre artistas e fãs faz a empresa mirar formas de crescer no mundo da música. O Discord, por exemplo, pensa em oferecer eventos com ingressos, além de criar parcerias com gravadoras e agências de carreiras de grandes nomes da música. É uma maneira de atrair mais gente para o serviço.
“Também temos integrações com o Patreon, a Twitch e o YouTube, que permitem que criadores e comunidades monetizem. Se o artista tem assinantes nessas plataformas, eles podem ganhar condições de acessos especiais nos servidores”, diz Kenny Layton, diretor de parcerias do Discord, ao jornal O Estado de S. Paulo.
“Há diversas oportunidades para novas plataformas, como a criação de marketplaces ou de ferramentas exclusivas”, explica Márcio Kanamaru, sócio-líder de tecnologia, mídia e telecomunicações da consultoria KPMG. “Elas precisam criar fontes de receitas para manter crescimento orgânico”, diz.
Vale lembrar que o Discord rejeitou uma oferta de compra da Microsoft de US$ 10 bilhões, o que aumentou os rumores de que a empresa mira uma abertura de capital.
“Em um grande negócio, a empresa comprada pode não resistir a pressões, como para introduzir algoritmos. De certa forma, essa postura combina com as novas gerações, que não querem experiências pasteurizadas nos novos serviços. A busca pela identidade passa pela libertação do algoritmo”, diz Kanamaru.
Ou, como prefere dizer Marta: “No Discord, o artista manda no seu rolê.”
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