Inexplorado, mercado para pessoas trans começa a ganhar produtos e serviços

A constatação de que a sexualidade humana vai além dos gêneros binários saiu das manifestações LGBTQIA+ e começa a virar produtos e prestação de serviços em empresas atentas a tendências. A Gama Saúde, por exemplo, passou a permitir este mês que seus clientes se identifiquem como transgêneros. A Amil tem iniciativa parecida, nas carteirinhas dos planos, há dois anos. Já a fabricante de absorventes Pantys acaba de lançar uma cueca para esse público.
São iniciativas que vão além do marketing. São comuns relatos de pessoas trans que encontram médicos despreparados para atendê-las ou têm diagnósticos tardios para doenças que poderiam ser facilmente tratáveis, caso tivessem encontrado tratamento adequado. Ou se sintam desconfortáveis por não terem alternativas de produtos a serem usados em seu dia a dia.
“Mais do que trabalhar a diversidade, é preciso rever todas as etapas de um processo produtivo, porque o ambiente como um todo precisa estar preparado para conviver com pessoas diferentes”, diz Maira Reis, fundadora da camaleao.co, startup que trabalha com soluções para diversidade LGBT+.
No caso da Gama, do mesmo jeito que preenche seus dados pessoais, a pessoa trans se identifica do cadastro e evita constrangimento durante procedimentos médicos, consultas e exames. Em frente similar, desde 2018, a Amil permite que clientes transgêneros mudem o nome na carteirinha do plano. A iniciativa nasceu da demanda de um beneficiário, que pediu a troca no documento de identificação do plano de saúde. A partir daí, foi desenvolvido um programa de melhoria de processos para que as pessoas usem seu nome social nas consultas, sem entraves.
A cueca menstrual para pessoas trangêneras e não binárias da Pantys também foi criada a partir de demanda de clientes. “Estamos muito ligados em nossas lojas físicas e no ambiente virtual”, diz Emily Ewell, sócia da Pantys. Assim, a cueca menstrual atende ao pedido por um produto para quem não se identifica como mulher ou que não gosta de roupas íntimas femininas. “Se a missão da empresa é levar qualidade de vida menstrual aos clientes, precisamos proporcionar isso para todos e abrir nosso leque de produtos”, diz Maria Eduarda Camargo, outra sócia da Pantys. As consumidoras foram ouvidas também com relação a modelagem e cores.
Fábio Mariano Borges, professor de tendências da ESPM, afirma que “as empresas precisam entender a necessidade do público, porque não conseguimos vender a quem a gente mal conhece”. Apesar de o consumidor estar mais disponível e demandar que empresas abracem causas, a menor parte das companhias tem se posicionado e se aproximado para entender particularidades e dar respostas efetivas, seja com produtos ou uma comunicação mais adequada. “Em nenhum país isso é uma realidade avançada”, diz Borges. “É uma pauta típica do século 21.”
Para ele, há uma dificuldade adicional, relacionada ao fato de que boa parte dos gestores serem conservadores, héteros e vindos da elite. Porém, segundo Reis, as empresas têm papel importante no movimento de aceitação das pessoas trans por serem geradoras de conhecimento. “Muito do preconceito é motivado pela falta de informação”, diz ela. “É importante que as empresas capacitem todos os funcionários e deixem claro que o preconceito não é bem-vindo.”
Tanto a Amil como a Gama Saúde, têm ações internas para levar esse conhecimento a seus funcionários. As iniciativas tentam diminuir barreiras e mudar práticas da organização como um todo, inclusive com o aumento da diversidade. Flávia Pontes, diretora de RH do Grupo Qualicorp, dono da Gama, afirma que o principal desafio para implantar um programa de pluralidade é o desconhecimento da população sobre o tema e de como tratar as diferenças.
Por outro lado, Reis tem percebido o aumento no número de clientes corporativos que buscam maior inclusão. “Mais do que aumentar nossa base de currículos, queremos ampliar as metas de quantas empresas estão nos procurando”, diz.
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