Quem tem medo de comunista?

Paulo Argollo

Tudo começou em 1864. Os camaradas Karl Marx e Friedrich Engels fundaram a Associação Internacional dos Trabalhadores durante um encontro em Londres, que reunia intelectuais e aspirantes políticos de vários países. Ela foi considerada a Primeira Internacional Comunista.

Alguns anos e várias tretas depois, aconteceu a Segunda Internacional Comunista em Paris, em 1889, encabeçada somente pelo Engels e já com a presença de partidos organizados de vários países europeus. Olha, eu não pretendo aqui contar toda a história do comunismo, até porque é uma história bem complexa e que merece ser detalhada para que não fique à margem de interpretações equivocadas, ou mais equivocadas do que já foram e são até hoje.

Enfim, resumindo bastante, em 1917 acontece a Revolução Russa, o czar Nicolau II é derrubado, Lenin assume o poder e, finalmente, acontece a famosa Terceira Internacional Comunista, uma reunião já bem mais organizada e com objetivos mais audaciosos, pois é quando se decide que partidos comunistas devem ser formados em países do mundo todo, que agirão sob os comandos e princípios do Kremlim.

Aí sim! Porque no mesmo ano, logo depois da Terceira Internacional, é fundado no Brasil, em Niterói (RJ) pra ser mais exato, o Partido Comunista Brasileiro.

Originalmente, o partido se chamou Partido Comunista Seção Brasileira da Internacional Comunista, e acabou ficando mesmo só Partido Comunista do Brasil, PC do B, que está aí até hoje. Logo depois da sua fundação, o partido já foi posto na ilegalidade, teve idas e vindas, até que em 1930 estava de volta atuando livremente, chegando a concorrer com um candidato sem expressão nas eleições à presidência naquele ano.

Como todo mundo sabe, o eleito foi Julio Prestes, paulista que quebrou a hegemonia da política do Café com Leite, em que se revezavam presidentes paulistas e mineiros. Prestes entrou no lugar de Washington Luís, que também era paulista. A crise econômica, insatisfação popular e tudo o mais fizeram com que fosse deflagrado, meses depois da eleição, o Golpe Militar de 1930, que as pessoas insistem em chamar de Revolução de 1930.

Enfim, Getúlio Vargas invade o Rio de Janeiro e toma o poder. Dias antes da Marcha dos Gaúchos até o Rio de Janeiro, Oswaldo Aranha foi até uma fazenda no Uruguai onde estava exilado Luis Carlos Prestes. Aranha entregou a Prestes dinheiro e várias armas, o convidando a se juntar a ele e Vargas para tomar o poder. Mas Prestes se negou a participar.

Luis Carlos Prestes dispensa apresentações, não é? Liderou a famosa Coluna Prestes nos anos 20 como parte do movimento tenentista contra a política de oligarquias do Brasil. Com o fim da Coluna, tido como desertor do exército, se exilou na Argentina e depois no Uruguai.

Depois do Golpe de 1930 não se ouviu mais falar de Prestes. Rolou a Revolução Constitucionalista de 1932, que acabou forçando Vargas a agilizar as coisas, já que ele ocupava o poder de maneira provisória. Foram feitas eleições daquele jeitinho brasileiro e, em 1934, Vargas foi “eleito” presidente e promulgou uma nova constituição. Uma constituição bem liberal, aliás, permitindo o voto de mulheres, e dando muitos direitos ao povo. Ou seja, um governo populista, porém era evidente que se tratava de um governo linha dura.

Foi então que, em 1935, surge a ANL, Aliança Nacional Libertadora. Um partido político que começou tímido, se posicionando como centro-esquerda, mas em pouco tempo ficou evidente que se tratava de um braço do partido comunista, e que tinha como mentor o próprio Luis Carlos Prestes, que estava desde novembro de 1931 em Moscou, recebendo treinamento político e militar, e em vias de voltar ao Brasil para realizar o que ficaria conhecida como Intentona Comunista.

Ah, sim! Antes de continuar, tem um detalhe delicioso nisso tudo. Com o Prestes na Rússia, quem tomou a frente da ANL foi um jovem advogado chamado Carlos Lacerda! Te parece familiar? É porque é familiar! O Lacerda foi o cara que esteve envolvido na crise que culminaria no suicídio de Vargas em 1950! Lacerda este que se tornaria deputado e seria um dos maiores entusiastas do Golpe Militar de 1964, pois ele se dizia… completamente contra os comunistas! Um baita de um vira-casaca! Ajudou a fundar a ANL, se envolveu na Intentona Comunista para, depois, apoiar golpe militar e se dizer contra comunista! Um escroque! Impressionante. E parece um padrão, né? Já reparou como tem um monte de gente que tinha ideias progressistas, até mesmo envolvimento com a esquerda, e agora posam de conservadores?

Sem que quase ninguém soubesse, Prestes volta ao Brasil, ao lado de Olga Benario, uma alemã de origem, muito envolvida com os ideais comunistas. Ele articula tudo para que no dia 27 de novembro acontecesse o levante em quartéis de várias cidades do país para que tomassem o poder e se instaurasse uma política comunista no Brasil, tendo em Prestes seu líder. Era tudo muito bonito. Mas deu errado num nível inacreditável. Ninguém sabe direito a razão, mas na cidade de Natal-RN o levante aconteceu no dia 23 de novembro. E até que foi bem-sucedido. Eles derrubaram o governador do estado, dominaram as instituições…

Na verdade, vários historiadores descrevem o levante de Natal mais como um carnaval do que uma revolução porque o Banco do Brasil foi invadido e saqueado, os revolucionários saíram distribuindo dinheiro pela rua, foi dada uma ordem para que o transporte público fosse liberado de graça, as pessoas subiam e desciam dos bondes só pelo prazer e andar de graça… foi uma festa! E, no fim, só três cidades aderiram ao levante, e logo várias tropas enviadas por Vargas chegaram, prenderam os revolucionários e reestabeleceram a ordem. O Brasil viveu três dias de um regime comunista, somente em três cidades. E parece que foi mesmo uma festa. Foi bom enquanto durou.

Mas o dia mesmo era 27 de novembro. E nesse dia, sim, no Rio de Janeiro, então a capital do Brasil, é que o levante comunista iria triunfar. Todos os quartéis da cidade estavam de sobreaviso. Logo de manhã, todas as tropas deveriam marchar até o Palácio do Catete e derrubar Getúlio Vargas. Mas, de novo, deu errado. Todo mundo deu pra trás, e só o quartel da Praia Vermelha se levantou e marchou até o Catete. Até que chegou a ter confronto, mas não chegava a uma centena de soldados, que foram logo derrotados.

Nessa época, Getúlio Vargas já tinha como seu homem de confiança na segurança pública Filinto Müller. Foi ele quem torturou o líder da tropa da Praia Vermelha, o capitão Agildo da Gama Barata Ribeiro. Foi nessa sessão de tortura que o governo Vargas finalmente soube que Luis Carlos Prestes estava clandestinamente morando no Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro. Começava então uma caçada vigorosa, que teria fim em março de 1936, com Prestes preso e sua mulher, Olga Benario Prestes, extraditada para a Alemanha para morrer nas mãos da Gestapo nazista, mesmo estando grávida. A história da Olga Benario é incrível e merece um texto só pra ela.

Enfim, se a Intentona Comunista foi toda errada, brancaleônica, porque ela é tão importante e a gente está aqui falando dela, exatos 86 anos depois? É muito simples. É porque o levante comunista de 1935 foi a desculpa ideal para que Vargas instaurasse estado de sítio, criasse a Lei de Segurança Nacional que colocaria não só a ANL, mas todos os outros partidos políticos na ilegalidade e que acabaria gerando a ditadura mais sangrenta que o Brasil já viu, que ficou conhecido com o brando nome de Estado Novo.

O golpe de 1964 foi tenebroso, mas o Estado Novo conseguiu ser mais violento. A censura e a tortura foram quase que institucionalizadas. Ficou evidente a simpatia do governo brasileiro com os governos fascistas da Europa. E, por fim, criou-se uma antipatia para com os comunistas que seria ainda mais emblemática com o início da Guerra Fria nos anos 50.

Mas muita coisa mudou de lá pra cá. A União Soviética se esfarelou, o comunismo como modelo econômico se provou ineficiente e muito mais vulnerável à corrupção do que qualquer outro. Como ideologia política, é claramente antidemocrático e igualmente ineficiente. Dos poucos países com governos comunistas no mundo, todos são ditaduras. e o povo está jogado às favas. Claro, menos a China, que soube dançar conforme a música e se manteve politicamente comunista, mas economicamente muito capitalista. E, mesmo assim, o povo chinês não vive assim tão numa boa, rola censura e tal.

Mas o que eu quero dizer com isso é o seguinte: a gente não precisa demonizar e nem temer os comunistas porque eles nem existem mais com a força que tinham. E todo mundo tem o direito de acreditar no que bem quiser e não deve ser hostilizado por isso. Se os comunistas querem tentar ascender ao poder, a única opção que eles tem é pela democracia, pelo voto. Portanto, é legítimo que eles possam tentar. Mas chega dessa baboseira de libertar o Brasil do comunismo. Até porque nós nunca estivemos sob o jugo dele. E se você acha que existiu comunismo no nosso país, espero ter esclarecido um pouco sobre o assunto.


HOJE EU RECOMENDO
Livro: Olga
Autor: Fernando Morais
Editora: Companhia das Letras
Eu ainda vou escrever aqui sobre a Olga Benario Prestes. A história dela é inacreditável. Mas vale a pena ler todos os detalhes neste livro delicioso do Fernando Morais. É um livro essencial para entender melhor a nossa história e inspirar ainda mais o empoderamento feminino.

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