Flori Antonio Tasca
Existem professores que negam a existência de problemas em sala de aula, mas quando se observa mais atentamente a relação que eles mantêm com seus alunos se percebe uma série de conflitos. Nota-se, então, a existência de indisciplina, falta de respeito entre os alunos e um desinteresse significativo pelas aulas. Não sabendo reagir, os professores repetem fórmulas desgastadas pautadas na punição generalizada dos alunos, expulsão frequente da sala e ameaças amparadas em uma relação de poder. Embora possa não ser reconhecido, esse é um terreno fértil para o surgimento e a propagação do bullying.
Foi exatamente esse o cenário que Giovana Vidotto Roman Toro, Anamaria Silva Neves e Paula Cristina Medeiros Rezende encontraram em uma escola pública mineira, na qual se dispuseram a caracterizar a existência de bullying entre os alunos. Elas são autoras do estudo “Bullying, o exercício da violência no contexto escolar: Reflexões sobre um sintoma social”, publicado no ano de 2010 na revista “Psicologia: Teoria e Prática”. A pesquisa envolveu observações em salas de aula e entrevistas semiestruturadas.
Logo de início, as pesquisadoras perceberam que havia um estranhamento quanto ao termo bullying. Foi preciso fazer uma reunião com os docentes e a diretora para que elas pudessem ser esclarecidas a respeito desse fenômeno. Quando isso aconteceu, eles mencionaram alguns alunos que poderiam ser vítimas, mas não falaram em nenhum agressor. Prevalecia a dicotomia “vítima contra agressor” e “bem contra o mal”, o que deixava evidente a dificuldade da instituição em conseguir lidar com o fenômeno.
Além disso, percebeu-se que os professores utilizavam rótulos “estigmatizantes” para os seus alunos, que eram classificados como bagunceiros, calados ou estudiosos. O papel do professor nessa escola parecia meramente o de controle e o de poder, destacando-se pela rigidez e autoritarismo, como se observou diretamente em algumas aulas. Esse é um cenário que também favorece o desenvolvimento de situações como o bullying.
Ao assistir as aulas junto com os estudantes, os pesquisadores perceberam que, nesse contexto rígido, os alunos, em burburinhos, reclamavam dos professores. Outros tinham medo deles, sentavam e permaneciam calados durante toda a aula. Quando acontecia uma repreensão, os alunos não pareciam preocupados, pois elas faziam parte da rotina da sala, sem maiores consequências. Em geral, eles demonstravam pouco interesse pelo que estava sendo ensinado, sendo possível perceber o uso de telefones celulares.
Durante as entrevistas feitas com os professores, entretanto, notou-se que eles não faziam uma reflexão crítica a respeito do seu papel em sala de aula, e que, precisando encontrar um provável responsável para os problemas ali ocorridos, citavam os próprios alunos e a família, vistos como os principais determinantes para o fracasso escolar. A visão que os professores passaram de si mesmos para as pesquisadoras foi a de sujeitos apáticos e impotentes. Mas, como elas lembraram, o bullying é um fenômeno que acontece no universo escolar e que, portanto, não acontece à revelia do professor.
As observações em sala também encontraram dificuldades no relacionamento e na formação de vínculos. Foram observados vários episódios de desencontros, com ridicularizações, críticas ofensivas e expulsão de alunos. Havia claramente uma relação tensa, distante, desinteressante entre aluno e professor (apesar de este negar os problemas). Esse ambiente pareceu capaz de potencializar atitudes de bullying.
A naturalização e a desinformação sobre o bullying foram constantes nos discursos, que tendiam a ver o fenômeno como algo típico da idade. Inexistia posicionamento crítico. Como as autoras lembraram, é imprescindível a sensibilização e o envolvimento de toda a comunidade escolar na compreensão e redução do fenômeno. As falas dos professores sugeriam carência de materiais, bem como acesso restrito a pesquisas sobre o assunto. Embora eventualmente alguns deles falassem em palestras sobre aproximação com famílias como formas de combate, eram expressões ainda tímidas e sem continuidade prática.
Na conclusão do artigo, as pesquisadoras defenderam a importância do aprofundamento das discussões sobre o bullying, relativizando a polarização vítima-agressor e ampliando o contexto de análise, ressaltando o vínculo professor-aluno. As alternativas às relações violentas devem ter como base princípios de tolerância e respeito. Aprender sobre o bullying, identificar o cenário violento na escola e pensar em estratégias para enfrentá-lo foi visto como desafio significativo, mas fundamental para o contexto educacional.
Educador, Filósofo e Jurista. Diretor do Instituto Flamma – Educação Corporativa. Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, fa.tasca@tascaadvogados.adv.br